ELA NÃO FEZ NADA PARA ELE "PERDER A CABEÇA"
O NOME DISSO É MISOGINIA
Por que não questionamos os homens sobre a violência que eles cometem? Por que não perguntamos para o agressor "por que você bateu nela?", "Por que você a mutilou?", "Por que você tentou matá-la?", "Por que você a estuprou?". A resposta para todas essas perguntas, com as particularidades de cada caso, serão sempre a misoginia e machismo que estão naturalizados na nossa sociedade.
Então por que jornalistas pensam ser razoável confrontar uma vítima de violência com a pergunta "por que não se separou no primeiro tapa?". Esse tipo de questionamento é exatamente culpabilizar a vítima por algo que ela passou. Colocar a pergunta na boca do leitor não justifica o fato dela ter sido feita e publicada. Ao perguntar isso, se está sugerindo que ela poderia ter se salvado, que foi tudo culpa dela, que ela deveria ter percebido. Milhões de mulheres são agredidas por seus parceiros todos os dias.
A Secretaria de Políticas para as Mulheres estima que, a cada 12 segundos, uma mulher é vítima de violência física. O Mapa da Violência 2012: homicídios de mulheres – documento mais recente sobre o tema – aponta que os feminicídios acontecem na esfera doméstica: 68,8% dos atendimentos a mulheres vítimas de violência aconteceram na residência das próprias vítimas e, em pouco menos da metade dos casos, o perpetrador é o parceiro ou ex-parceiro da mulher. Na faixa etária de 20 à 49 anos de idade – a mesma de Gisele Santos, brutalmente agredida pelo parceiro – o percentual é assustador: 65%.
A reincidência dos casos é grande, assim como na situação de Gisele: supera os 50%, na faixa etária entre 20 e 49 anos. Por que eles continuam com esta violência? Por que se sentem exatamente que a nossa sociedade culpa elas por tudo o que fazem. Quando se separam, culpam elas por terem feito isso, e quando permanecem, também culpam por serem agredidas, espancadas, estupradas, mortas.
Gisele quase foi morta, ela se recupera de um horrível trauma que a trará inúmeros incômodos e dificuldades durante a vida toda. E a pergunta que "os leitores" querem fazer para ela -- e que algum jornalista acreditou que seria uma boa ideia passar adiante -- é o que "ela fez" para ele perder a cabeça. O que ela fez? Não foi mais propriedade dele, só isso.
O nome disso é misoginia e é tentativa de feminicídio. Isso não é um "crime por ciúmes" e nem um "crime passional", como alguns jornalistas insistem em publicar. Isso é uma epidemia na sociedade brasileira de homens que pensam que mulheres são sua propriedade e, por isso, pensam ter o direito de agredi-las.
Quem é jornalista sabe (ou deveria saber) que o trabalho produzido é feito por meio de escolhas, mesmo que inconscientes. O que se quer publicar e o que se quer omitir. O que se acredita ser relevante para o leitor e o que se acredita não ter importância. A publicação dessas perguntas mostra que a subjetividade dos profissionais envolvidos na matéria é permeada pelos mesmos valores de certa parte da sociedade, que pensa que a culpa pela violência sofrida pelas mulheres é delas próprias.
Arte: Nádia Campos Alibio
