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23
Ago15

Violência urbana

por Hilton Besnos

140311-VitorTeixeira

Pesquisa vasculha território obscuro da internet: as comunidades que clamam por violência policial, linchamentos, mortes dos “esquerdistas” e novo golpe militar

Por Patrícia Cornils, entrevistando Fábio Malini | Imagem: Vitor Teixeira

No dia 5 de março o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo, publicou um mapa de redes de admiradores das Polícias Militares no Facebook. São páginas dedicadas a defender o uso de violência contra o que chamam de “bandidos”, “vagabundos”, “assaltantes”, fazer apologia a linchamentos e ao assassinato, defender policiais, publicar fotos de pessoas “justiçadas” ou mortas violentamente, vender equipamentos bélicos e combater os direitos humanos.

Para centenas de milhares de seguidores dessas páginas, a violência é a única mediadora das relações sociais, a paz só existe se a sociedade se armar e fizer justiça com as próprias mãos, a obediência seria o valor supremo da democracia. Dentro dessa lógica, a relação com os movimentos populares só poderia ser feita através da força policial. Qualquer ato que escape à ordem ou qualquer luta por direitos é lido como um desacato à sociedade disciplinada. Um exemplo: no sábado, dia 8 de março, a página “Faca na Caveira” publicou um texto sobre o Dia Internacional das Mulheres no qual manda as feministas “se foderem”. Em uma hora, recebeu 300 likes. Até a tarde de domingo, 1473 pessoas haviam curtido o texto.

Abaixo o professor Fábio Malini explica como fez a pesquisa e analisa o discurso compartilhado por esses internautas. “O que estamos vendo é só a cultura do medo midiático passando a ter os seus próprios veículos”, diz ele. Explore as redes neste link.

140311-Ultraconservadores

Como você chegou a esse desenho das redes? O que ele representa?

TEXTO-MEIO

É um procedimento simples em termos de pesquisa. O pesquisador cria uma fanpage no Facebook e passa a dar “like” num conjunto de fanpages ligada à propagação da violência. Em seguida, usamos uma ferramenta que identifica quais os sites que essas fanpages curtem. E, entre elas, quais estão conectadas entre si. Se há conexão entre uma página com outra, haverá uma linha. Se “Faca na Caveira” curte “Fardado e Armados˜há um laço, uma linha que as interliga. Quando fazemos isso para todas as fanpages, conseguimos identificar quais são as fanpages da violência (bolinhas, nós) mais conectadas e populares. Isso gera um grafo, que é uma representação gráfica de uma rede interativa. Quanto maior é o nó, mais seguida é a página para aquela turma. No grafo, “Polícia Unida Jamais será vencida” é a página mais seguida pela rede. Não significa que ela tem mais fãs. Significa que ela é mais relevante para essa rede da violência. Mas a ferramenta de análise me permite ver mais: quem são as páginas mais populares no Facebook, o que elas publicam, o universo vocabular dos comentários, a tipologia de imagens que circula etc.

O que você queria ver quando pesquisou esse tema? E o que achou de mais interessante?

Pesquisei durante apenas uma semana para testar o método de extração de dados. Descobri que o Labic, laboratório que coordeno, pode ajudar na construção da cultura de paz nesse país, desvelando os ditos dessas redes, que estão aí, lotadas de fãs e públicas no Facebook. Assustei-me em saber a ecologia midiática da repressão no Facebook, em função da agenda que esses sites estabelecem.

Primeiro há um horror ao pensamento de esquerda no país. Isso aparece com inúmeros textos e imagens que satirizam qualquer política de direitos humanos ou ligadas aos movimentos sociais. Essas páginas funcionam como revides à popularização de temas como a desmilitarização da Polícia Militar ou textos de valorização dos direitos humanos. Atualmente, muitas dessas páginas se articulam em função da “Marcha pela Intervenção Militar”. Um de seus maiores ídolos é o deputado Jair Bolsonaro.

Após os protestos no Brasil, a estrutura de atenção dos veículos de comunicação de massa se pulverizou, muito tráfego da televisão está escoando para a internet, o que faz a internet brasileira se tornar ainda mais “multicanal”, com a valorização de experiências como Mídia Ninja, Rio na Rua, A Nova Democracia, Outras Palavras, Revista Fórum, Anonymous, Black Blocs. São páginas muito populares. Mas não estão sozinhas. Há uma guerra em rede. E o pensamento do “bandido bom, bandido morto” hoje se conformou em votos. Esse pensamento foi capaz de construir redes sociais em torno dele.

A despolitização, a corrupção, os abusos de poder, a impunidade, estão na raiz da força alcançada por essas redes da violência e da justiça com as próprias mãos. E não tenho dúvida: essas redes, fortes, vão conseguir ampliar seu lastro eleitoral. Vão ajudar na eleição de vários políticos “linha dura”. Em parte, o crescimento dessas redes se explica também em função de forças da esquerda que passaram a criminalizar os movimentos de rua e ficaram omissas a um conjunto de violações de direitos humanos. O silêncio, nas redes, é resignação. O que estamos vendo é só a cultura do medo midiática passando a ter os seus próprios veículos de comunicação na rede.

Você escreveu que “é bom conhecer e começar a minerar todos os conteúdos que são publicadas nelas.” Por que?

Porque é preciso compreender a política dessas redes e seus temas prioritários. Instituir um debate por lá e não apenas ficar no nosso mundo. É preciso dialogar afirmando que uma sociedade justa é a que produz a paz, e não uma sociedade que só obedece ordens. Estamos numa fase de mídia em que se calar para não dar mais “ibope” é uma estratégia que não funciona. É a fala franca, o dito corajoso, que é capaz de alterar (ou pelo menos chacoalhar) o discurso repressor.

É interessante, ao coletarmos e minerarmos os dados, notar que muitas dessas páginas articulam um discurso de Ode à Repressão com um outro pensamento: o religioso, cujo Deus perdoa os justiceiros. Isso se explica porque ambos são pensamentos em que o dogma, a obediência, constituem valores amplamente difundidos. Para essas redes, a defesa moral de uma paz, de um cuidado de si, viria da capacidade de os indivíduos manterem o estado das coisas sem qualquer questionamento, qualquer desobediência.

No lugar da Política enfrentar essas redes, para torná-las minoritárias e rechaçadas, o que vemos? Governantes que passam a construir seus discursos e práticas em função dessa cultura militarizada, dando vazão a projetos que associam movimentos sociais a terrorismo. Daí há uma inversão de valores: a obediência torna-se o valor supremo de uma democracia. E a política acaba constituindo-se naquilo que vemos nas ruas: o único agente do Estado em relação com os movimentos é a polícia.

O grafo mostra as relações entre os diversos nós dessa rede. Mas e se a gente quiser saber o que essas redes conversam? As PMs estão no centro de vários debates importantes hoje: o tema da desmilitarização. A repressão às manifestações. O assassinato de jovens pobres, pretos, periféricos. Esses nós conversam sobre essas coisas? Em que termos?

Sim, esses nós se republicam. Tal como páginas ativistas se republicam, tais como páginas de esporte se republicam. Todo ente na internet está constituindo numa rede para formar uma perspectiva comum. As ferramentas para coletar essas informaçoes públicas estão muito simplificadas e na mão de todos. Na tenho dúvida que as abordagens científicas das Humanidades serão cada vez mais centrais, pois a partir de agora o campo das Humanidades lidará com milhões de dados. É uma nova natureza que estamos vendo emergir com a circulação de tantos textos, imagens, comportamentos etc.

Você escreveu que “os posts das páginas, em geral, demonstram o processo de construção da identidade policial embasada no conceito de segurança, em que a paz se alcança não mediante a justiça, mas mediante a ordem, a louvação de armamentos e a morte do outro.” Pode dar exemplos de como isso aparece? E por que isso é grave? Afinal, na visão dos defensores e admiradores da polícia, as posições que defendem dariam mais “paz” à sociedade.

Sábado, 8 de março, foi o Dia Internacional da Mulher. Uma das páginas, a Faca na Caveira, deu parabéns às mulheres guerreiras. Mas mandaram as feministas se foderem. O post teve 300 likes em menos de meia hora e na tarde de domingo tinha 1473 likes. A paz só será alcançada com ordem e obediência, dizem. No fundo, essas redes revelam-se como repressoras de qualquer subjetividade inventiva. Por isso, são homofóbicas e profundamente etnocêntricas de classes. É uma espécie de decalque do que pensa a classe média conectada no Brasil, que postula que boné de “aba reta” em shopping é coisa da bandidagem.

Em Vitória, onde resido, em dezembro de 2013, centenas de jovens que curtiam uma roda de funk nas proximidade de um shopping tiveram que entrar nesse recinto para fugir da repressão da polícia, que criminaliza essa cultura musical. Imediatamente foi um “corre-corre” no centro comercial. Os jovens foram todos colocados sentados, sem camisa, no centro da Praça de Alimentação. Em seguida, foram expulsos em fila indiana pela polícia, sob os aplausos da população. Depois, ao se investigar o fato, nenhum deles tinha qualquer indício de estar cometendo crime. Essa cultura do aplauso está na rede e é forte. É um ódio à invenção, à diferença, à multiplicidade. É por isso que a morte é o elemento subjetivo que comove essa rede. Mostrar possíveis criminosos mortos, no chão, com face, tórax ou qualquer outro parte do corpo destruída pelos tiros, é um modo de reforçar a negação da vida.

Essas redes conversam com outras redes não dedicadas especificamente à questão das PMs? Vi, por exemplo, que tem um “Dilma Rousseff Não”, um “Caos na Saúde Pública” e um “Movimento Contra Corrupção”. Que ligações as pessoas ali estabelecem entre esses temas?

Sim, são páginas que se colocam no campo da direita mais reacionária do país. Mas isso também é um índice da transmutação do conservadorismo no Brasil. Infelizmente, o controle da corrupção se tornou um fracasso. Essa condição fracassada alimenta a despolitização. E a despolitização é o combustível para essas páginas. Mas a despolitização não é apenas um processo produzidos pelos “repressores”, mas por sucessivos governos mergulhados em escândalos e que são tecidos por relações políticas absolutamente cínicas em nome de alguma governabilidade.

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15
Ago15

A escola e o supermercado dos prazeres

Maurício Guilherme Silva Jr.

 

arcada pela incessante busca de sensações, a sociedade contemporânea costuma relacionar tudo aos movimentos e demandas do consumo. Diversas questões, no entanto, dizem respeito a lógicas humanistas, que ultrapassam os códigos econômicos e ressaltam a importância da diversidade e da diferença.Principalmente na educação, ressalta o professor da Universidade de Barcelona e doutor em Filosofia da Educação, Jorge Larrosa Bondía, as experiências pessoais fazem com que a escola, “essa máquina aparentemente unitária”, torne-se infinita.

Felipe Zig

Larrosa: a escola “escolariza” tudo o que toca

Como o senhor analisa o sistema educacional no mundo? Que países seriam modelos de educação?

Estudei com um sociólogo, na Inglaterra, que não entendia a existência de uma disciplina chamada “educação comparada”. Ela sugere uma série de sistemas educativos espalhados pelos países. Este meu colega, no entanto, não via diferença em estar numa escola em Xangai, Buenos Aires ou nos Estados Unidos. A máquina escolar é semelhante em todos os lugares. Ao mesmo tempo, se você mantém-se atento a como as pessoas dão sentido a suas experiências escolares, percebemos que essa máquina, aparentemente unitária, é infinita. Não saberia dizer, pois, quais países são modelos de sistemas educativos. Eu acho que é tarefa de cada um achar seu próprio lugar e encontrar seus interlocutores. Hoje, você pode se entender melhor com pessoas que moram em outra parte do mundo. Ao mesmo tempo, pode não ter afinidades com as pessoas que moram próximas a você. O mundo é menor e, ao mesmo tempo, maior do que nunca.

Como os professores podem aliar, ao aprendizado formal, as leituras cotidianas de seus alunos?

É bom lembrar que, em alguns lugares do mundo, a leitura não faz parte do cotidiano das pessoas. Isso não é bom, nem ruim. Seria ruim sob o ponto de vista iluminista, segundo o qual a leitura é capaz de construir diferenças entre os homens. Em relação à forma como a escola trata as experiências de leitura das pessoas, eu diria que a instituição de ensino é um aparelho de recontextualização. A escola desloca textos de seus “lugares naturais”, da produção e do consumo, e os põe em um território diferente. A escola “escolariza” tudo o que toca. Literatura, na escola, não se mantém literatura. Os preceitos escolares submetem tudo à sua dinâmica.

E quais as principais diferenças entre estudar e ler?

Na essência, não haveria qualquer diferença, já que a palavra “estudo” significa “leitura”. O critério de diferenciação estaria, hoje, no prazer, na fruição. Se você observa os discursos pedagógicos sobre o ato de ler, quase todos insistem na idéia de que seria preciso recuperar, na escola, o lado lúdico e prazeroso da leitura. Mas pensar a escola como uma máquina de prazer é contraditório. Ao mesmo tempo, exigir que a leitura seja absolutamente prazerosa é também uma forma de simplificar as coisas. A idéia de sempre vincular a leitura ao bem-estar diz respeito a este mundo que se tem convertido numa enorme máquina de compra e distribuição de prazer. Imagine a escola tendo que competir com esse supermercado das sensações!

Como o senhor analisa o papel das novas tecnologias em relação ao futuro das práticas de leitura?

Em Dom Quixote, de Cervantes, o padre e outra personagem fazem críticas aos livros de cavalaria consumidos pelo povo. Para eles, tais obras não estariam à altura do que realmente deveria ser lido. Até hoje, as classes abastadas criticam as práticas de leitura, sob o ponto de vista do que consideram interessante a ser lido. Essa crítica está ligada, inclusive, às novas tecnologias. Neste caso, há uma divisão entre os apocalípticos e os integrados. Alguns acham que o livro e a idéia de memória e de tradição desaparecerão por força da cultura da imagem. Esse é o discurso apocalíptico. De outro lado, há aqueles que vêem as novas tecnologias como solução para o mundo. Não acredito em nenhuma das duas idéias. Tudo, na verdade, está submetido a uma série de controles políticos, ideológicos e morais.

Mas não seria prejudicial o acesso diário a um grande volume de informações?

Isso remonta à idéia de que a leitura é uma prática lenta, isolada, silenciosa, demorada e que constrói um tempo diferenciado do ritmo cotidiano. Trata-se de um imaginário de leitura que, na verdade, nunca existiu. Contudo, as tecnologias realmente têm mudado a relação das pessoas com o tempo. Para uma pessoa como eu, que dedicou boa parte da vida ao estudo da leitura, seria de se esperar um discurso contra a Internet e a favor da cultura do livro. No entanto, talvez a cultura do livro nunca tenha sido o que as pessoas imaginaram.

O que pode ser feito para ampliar a relação entre arte e educação?

A relação da educação com a arte, desde os gregos, é constitutiva. Educação é inconcebível fora da cultura de seu tempo. Além disso, os processos educacionais são pensados como arte, e não como técnica. Portanto, a pergunta sobre como relacionar arte e educação, na essência, não tem sentido. Mas hoje a questão ganhou significado porque essa relação não é mais tão clara. O cinema, por exemplo, faz parte da cultura de nosso tempo. Seria impensável, pois, uma teoria educativa que não considere a sétima arte como algo importante. Educação, em resumo, precisa se relacionar com a cultura do presente. Do contrário, transforma-se em prática de adestramento.

Fonte: https://www.ufmg.br/boletim/bol1506/quinta.shtml

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http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/educar-transmitir-conhecimento-ou-ensinar-a-refletir/

Educar: “passar” conhecimento ou ensinar a refletir?

Conhecido mundialmente por crítica ao ensino tradicional, Cláudio Naranjo sustenta: na era da internet, insistir no professor-“dono do saber” é tentar formar adultos domesticados

 

Por Udo Simons, na Revista Educação

Apesar da postura serena, olhar amistoso e voz tranquila, o médico psiquiatra de origem chilena Cláudio Naranjo, 83, é veemente ao falar. “A educação não educa. É uma fraude. Não se deve confundir instrução com educação”, diz, apontando na política pública parte da origem de suas constatações. “É como se o objetivo dos governos fosse manter as pessoas amortecidas.”

Indicado ao Prêmio Nobel da Paz deste ano, Naranjo dedica parte de seu trabalho, há 15 anos, à transformação dos processos de ensino e aprendizagem a partir do reconhecimento de si e do outro. Acredita ser esse um dos principais desafios do milênio. No universo da psicoterapia, é reconhecido como um dos mais significativos profissionais em atuação da atualidade. Há mais de 40 anos em atividade e com diversos livros publicados, Naranjo fundamentou linhas psicológicas, integrou a sabedoria oriental aos processos científicos ocidentais de estudo do comportamento humano, e fundou uma abordagem de desenvolvimento denominada SAT (sigla em inglês para Seekers After Truth), um programa holístico constituído por práticas da psicoterapia moderna, concepções espirituais, meditação, terapias corporais e de gestalt. Com a SAT, tem rodado o mundo todo fazendo palestras para gestores educacionais. No Brasil, em maio, para lançar seu mais recente livro,A revolução que esperávamos (Verbena Editora), também palestrou para pais e professores. Em sua mais nova obra, o psiquiatra afirma que a crise atual só pode ser superada por uma mudança profunda no modelo educacional – evoluindo da transmissão de conhecimento para a formação de competências existenciais. De São Paulo, de onde concedeu a entrevista a seguir para Educação, Naranjo seguiu para a Câmara dos Deputados, em Brasília, para proferir a palestra “A cura pela educação – uma proposta para uma sociedade enferma”.

O que motivou o senhor a desenvolver trabalhos no setor educacional?

No início dos anos 2000 me convidaram para um congresso de educação na Argentina. O evento reuniu mais de dois mil educadores e, pela primeira vez, tive um contato tão direto com o setor. No decorrer de minha palestra, sentia cada vez mais viva a resposta daquelas pessoas. Foi como uma ressonância empática ao que eu falava. Compreendi naquele momento a “sede” dos educadores e a importância de levar a eles meu trabalho de formação, desenvolvido junto aos terapeutas.

Qual seria o diferencial do seu trabalho para os educadores?

Na ocasião desse congresso foram abordados muitos temas relacionados à inteligência emocional, houve a exposição de diversas visões. Apesar disso, senti meu trabalho como algo mais transformador e, ao mesmo tempo, desconhecido da plateia. Contudo, se passassem a conhecê-lo, o trabalho teria um valor social mais abrangente. Tive a certeza de que haveria um efeito multiplicador. Afinal, os professores permeiam a formação das sociedades. Todos passamos por escolas.

Como o senhor define a proposta do seu trabalho?

Eu proponho a junção de conhecimentos e técnicas terapêuticas, como a meditação budista, a psicologia dos eneatipos, o teatro terapêutico, o teatro oriental do autoconhecimento, o movimento espontâneo e o processo terapêutico supervisionado em que as pessoas se ajudam. Isso constitui um currículo interno básico, oferecido no programa SAT. Esse programa foi originalmente constituído na Califórnia, no início dos anos de 1970, e trazido ao Brasil por Alaor Passos, há mais de 20 anos. É um trabalho avançado de autoconhecimento dirigido à transcendência da personalidade, ao desenvolvimento do amor, à melhora da qualidade de vida e da capacidade de ajuda psicoespiritual. Qualquer pessoa pode participar dele. E cada vez mais, eu trabalho para os educadores envolverem-se nesse processo.
 
Qual tem sido o resultado dessas práticas junto aos professores?


Como essas “competências” qualificam o educador para o seu trabalho cotidiano?
A proposta é estabelecer o desenvolvimento de competências existenciais, não técnicas. Eu as classifico como amor ao próximo (empático); amor aos ideais (devocional); amor a si (desejos); a consciência do presente; o autoconhecimento (quem sou) e o desapego. Essas competências têm sido negligenciadas ao longo dos anos. Percebo que os professores difundem, entre si, os resultados encontrados a partir de suas experiências, de sua transformação. A formação permite a eles que sejam mais completos como pessoas, consequentemente, melhores profissionais. Eles se tornam mais felizes. Lembro, ainda, que essa iniciativa pode chegar àqueles professores constantemente oprimidos pelo sistema, sem condições financeiras adequadas, sem energia. Atingi-los, contudo, não é uma condição simples. Para essas situações as autoridades governamentais e educacionais precisam dar uma resposta.

Para ser um bom educador, ou ser bom profissionalmente em qualquer área, é preciso ser uma boa pessoa. É preciso se relacionar com o outro como pessoa, ser um modelo de pessoa, e não apenas um modelo de saber.

O que o senhor quer dizer com “modelo de pessoa”?

A educação destina-se ao desenvolvimento humano, não à incorporação de conhecimentos. Para quê passar anos oferecendo ao jovem o conhecimento do mundo exterior quando já o encontramos no Google? De que serve essa prática? Isso é um roubo da vida do jovem. Isso serve para quê? Para  passar anos somente para aprender a se sentar quieto? Para treinar a obediência? Nesse contexto, o educador tem imposta uma vestimenta interna de atitude, de respeito à autoridade educacional. Isso dificulta que ele tenha uma voz transformadora.

Que modelo de educação teria esse caráter transformador?

Quando feita para o desenvolvimento humano, a educação nos leva a ser o que somos em potência, ou seja, seres completos. Mas somos como árvores retorcidas que não têm sol por um lado, e esticam seus galhos para conseguir água. Temos uma vida muito raquítica.

Quais as causas dessa situação?

Hoje se governa para a inconsciência. Como se o objetivo da educação fosse manter as pessoas adormecidas, robóticas, obedientes à força do trabalho construída com a Era Industrial, o que continua sendo a motivação opressiva da educação. Não sei, porém, dizer se essa circunstância é uma vontade. Talvez haja indivíduos querendo modificar isso, mas a inércia burocrática é grande demais.

Como se vê nesse contexto?

Como um indivíduo fora do sistema, insultando-o ao dizer: a educação é uma fraude. A educação não educa. Não se deve confundir instrução com educação. Esse modelo fracassou. Minha convicção é que se deve mudar a consciência e para isso é preciso mudar a educação. Apelo à Organização Mundial do Comércio (OMC) como uma instância com poder para fazer parte dessas modificações.

Qual o papel da OMC nessa mudança educacional?

Eles incentivam a globalização dos negócios, mas não favorecem a globalização da ecologia, da educação, entre outros aspectos que deveriam, também, se globalizar. Eles são responsáveis por uma desumanização no mundo. Fala-se muito da pobreza e, sim, é certa a existência de muita pobreza externamente. Mas nossa pobreza interna não é tão visível, tão óbvia. A pobreza gera voracidade, pois estamos incompletos. Somos como zumbis devoradores, transformando os outros em zumbis por contágio. Isso nos torna uma sociedade inconsciente e voraz. O problema do mundo é a voracidade, do poder de ter dinheiro. Da primazia dos bens por cima do bem. Isso só pode ser resolvido se formos seres completos. Temos uma sociedade violenta.

Como incentivar educadores a fazer parte desse trabalho?

É preciso incentivo das autoridades, de governos ou da direção das escolas. Já temos algumas experiências exitosas na Espanha e Itália junto aos professores. Obtivemos, também, resultados positivos no México e Uruguai. Mas o papel da direção das instituições, públicas ou privadas, é importantíssimo para o engajamento dos docentes. Principalmente daqueles mais desmotivados por sua condição de trabalho.

Como engajar autoridades governamentais e educacionais?

Sempre estou disposto a convidar a todos para conhecer essa proposta educacional. Quero en­corajar as autoridades sobre o valor desse processo. Me coloco como um facilitador desse programa que acontece por meio das atividades da Escola SAT, que está aberta a todos, educadores ou não, oferecendo um programa de humanização.

O senhor defende conceitos de pedagogia do amor. O que é isso?

Basicamente, que para a existência de uma pedagogia do amor se requer amar ao próximo como a si mesmo, um preceito do cristianismo. As pessoas não se dão conta de que não se pode amar aos outros sem amar a si. Tampouco se dão conta de que também têm a capacidade de odiar a si mesmas, ao se tratarem como escravas, se explorarem, desvalorizarem. As pessoas têm uma mente como Freud descrevia, como que dividida entre um perseguidor e um perseguido.

 

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