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19
Ago15

A arte de reduzir as cabeças

por Hilton Besnos

 

LMD, outubro 2003

CULTURA

A arte de reduzir as mentes

A força da ideologia neoliberal decorre do fato de não começar visando ao homem. Ela cria um novo estatuto do objeto, definido como simples mercadoria, esperando que os homens se transformem ao se adaptarem à mercadoria, apregoada como a única coisa real

Dany-Robert Dufour

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O capitalismo, que produz e devora muito, é “antropofágico”: também “come” o homem. Mas o que consome exatamente? Os corpos? Estes são usados há muito tempo e a antiga noção de “corpos produtivos” é uma prova disso 1. A grande novidade é hoje a redução das mentes. Como se o pleno desenvolvimento da razão instrumental (a técnica), inerente ao capitalismo, resultasse num déficit da razão pura (a faculdade de julgar a priori o que é verdadeiro ou falso, e até o que é o bem ou o mal). É precisamente este traço que me parece caracterizar como propriedade específica a virada chamada de “pós-moderno”: o momento em que o capitalismo, depois de ter subjugado tudo, dedicou-se à “redução das cabeças”.(…) A hipótese é, em suma, simples mas radical: nós assistimos, no presente, à destruição do duplo sujeito que teve origem na modernidade, o sujeito crítico (kantiano) e o sujeito neurótico (freudiano) – a que se deve acrescentar o sujeito marxiano – e vemos instalar-se um novo sujeito, um sujeito “pós-moderno”, a ser definido.

O processo de quebra simultânea do sujeito moderno e de fabricação provável de um novo sujeito é extremamente rápido. O sujeito crítico kantiano, que surgiu perto dos anos 1800, e o sujeito neurótico de Freud, nascido próximo dos anos 1900 – os quais, por sua idade respeitável, pareciam afastados de qualquer execução sumária – estão em vias de desaparecer diante de nós com uma rapidez espantosa. Esses sujeitos filosóficos eram pensados como protegidos das vicissitudes da história, bem instalados em uma posição transcendental e constituindo incansáveis sujeitos de referência para pensar nosso ser-no-mundo e, na verdade, muitos pensadores continuam espontaneamente a refletir com essas formas, como se fossem eternas. Ora, esses sujeitos perdem, pouco a pouco, sua evidência. A potência da forma filosófica que os constituía parece evaporar-se na história. Tornam-se fluidos. É difícil acreditar que formas tão analisadas, tão elaboradas, tão experimentadas possam desaparecer em tão pouco tempo. Entretanto, nunca se deveria esquecer que civilizações milenares podem se extinguir em alguns lustros.

Para se ater a acontecimentos recentes, é necessário lembrar que se viram tribos indígenas da floresta amazônica, que tinham atravessado os séculos e os ambientes mais hostis protegidos por práticas simbólicas solidamente arraigadas, perecerem em algumas semanas, incapazes de resistir aos choques violentos de uma outra forma de troca – a troca comercia l2.

A dessimbolização do mundo

Essa morte programada do sujeito da modernidade não me parece estranha à mutação que se observa, há uns bons vinte anos, no capitalismo. O neoliberalismo – para chamar esse novo estado do capitalismo por seu nome – atualmente está ocupado em desfazer todas as formas de trocas que prevaleciam, substituindo-as por um referencial que avalize o absoluto ou metassocial das trocas. Para ser rápido e ir ao ponto e no essencial, poderia-se dizer que seria necessário o ouro como referência para garantir as trocas monetárias, assim como seria necessária uma garantia simbólica (a Razão, por exemplo) para permitir os discursos filosóficos. Ora, deixa-se, a partir de agora, de se referir a qualquer valor transcendental para se dedicar às trocas. As trocas não valem mais enquanto garantidas por uma potência superior (de ordem transcendental ou moral), mas, sim, pelo que colocam diretamente em relação enquanto mercadorias. Em uma palavra, a troca comercial, hoje, des-simboliza o mundo. (…)

Toda figura transcendente que venha a fundar o valor será, a partir de agora, recusada; só existem mercadorias que são trocadas por seu estrito valor de mercado. Hoje, pede-se aos homens que se livrem de todas as sobrecargas simbólicas que garantiam suas trocas. O valor simbólico é assim desmantelado em proveito do simples e neutro valor monetário da mercadoria, de modo que nenhuma outra coisa, nenhuma consideração (moral, tradicional, transcendente, transcendental…), possa constituir um obstáculo à sua livre circulação. Disso resulta uma des-simbolização do mundo. Os homens não devem mais se conciliar com os valores simbólicos transcendentes, eles devem, simplesmente, se submeter ao jogo da circulação infinita e ampliada da mercadoria.

Se o que afirma Marcel Gauchet for verdadeiro – “a esfera de aplicação do modelo [de mercado] está destinada a se estender muito além do domínio da troca comercia l3” -, então haverá um preço a pagar por essa extensão: a alteração da função simbólica.(…).

Adaptando o indivíduo à mercadoria

Essa mudança radical no jogo das trocas leva a uma verdadeira mutação antropológica. A partir do momento em que qualquer garantia simbólica das trocas entre os homens é liquidada, é a própria condição humana que muda. Nosso ser-no-mundo não pode mais ser o mesmo a partir do momento em que o que se empenha de uma vida humana deixa de depender da busca da conciliação com esses valores simbólicos transcendentais desempenhando o papel de fiadores, mas fica vinculado à capacidade de se adaptar aos fluxos sempre instáveis da circulação da mercadoria. Em uma palavra, não é mais o mesmo sujeito que se exige aqui e ali.

Começamos, dessa forma, a descobrir que o neoliberalismo – como todas as ideologias anteriores que irromperam ao longo do século XX (o comunismo, o nazismo…) – não quer outra coisa senão a fabricação de um homem novo. Mas a grande força dessa nova ideologia em relação às anteriores decorre do fato de não ter começado visando ao homem diretamente, por meio de programas de reeducação e de coerção. Ela se contentou com introduzir um novo estatuto do objeto, definido como simples mercadoria, esperando que o resto viesse na seqüência: que os homens se transformassem no momento de sua adaptação à mercadoria, promovida desde então como a única coisa real 4. O novo adestramento do indivíduo efetua-se, pois, em nome de um “real” que é melhor acatar com resignação do que se opor: ele deve parecer sempre agradável, querido, desejado como se se tratasse de entertainments (televisão, publicidade…). Ainda não se analisou bem a incrível violência que se dissimula atrás dessas novas fachadas soft.(…)

O sujeito “esquizóide” da pós-modernidade

Deve-se notar que, em “fábrica de um novo sujeito”, entendo “sujeito” no sentido filosófico do termo: não falo do indivíduo no sentido sociológico, empírico ou mundano do termo, falo da forma sujeito ideal em via de se construir. Primeiramente, faço referência à forma sujeito que se construiu por volta dos anos 1800 com o aparecimento do sujeito crítico kantiano. O empirismo de Hume e seu ceticismo contra a racionalidade da metafísica clássica abalaram Kant, como se sabe, a tal ponto, que este bruscamente “despertou de (seu famoso) sono dogmático” e se viu forçado a refundar uma nova metafísica, crítica, definida nos limites da simples razão, livre do dogmatismo da transcendência e, entretanto, nada cedendo ao ceticismo empirista. Assim nascia a filosofia kantiana: baseada nos progressos da física desde Galileu e Newton, ela se constituiu sobre uma síntese magistral da experiência e do entendimento. A virada kantiana terá sido necessária para estabelecer que o pensamento necessitava tanto da intuição quanto do conceito. Na realidade, para Kant, a intuição sem conceito é cega, mas o conceito sem intuição é vazio.

(…)

O que ainda poderá valer esse sujeito crítico a partir do momento em que se trata apenas de vender e de comprar mercadoria? Para Kant, nem tudo é vendável: “Tudo tem um preço, ou uma dignidade. Pode-se substituir o que tem um preço por seu equivalente; em contrapartida, o que não tem preço, portanto não tem equivalente, é o que possui uma dignidade 5”. Isto pode ser dito de modo mais claro: a dignidade não pode ser substituída, “não tem preço” e “não tem equivalente”, refere-se apenas à autonomia da vontade e se opõe a tudo o que tem um preço. É por isso que o sujeito crítico não convém à troca comercial, e é exatamente o contrário que se exige na venda, no marketing e na promoção (deliberadamente mentirosa) da mercadoria. (…)

Portanto, nesses tempos neoliberais, o sujeito kantiano vai mal. Mas isto não é tudo, o outro sujeito da modernidade, o sujeito freudiano, não está em melhor situação. A neurose, com suas fixações compulsivas e suas tendências à repetição, não é a melhor garantia para a flexibilidade necessária às múltiplas conexões nos fluxos comerciais. A figura do esquizofrênico atualizada por Deleuze na década de 1970, com as polaridades múltiplas e invertíveis de suas máquinas que manifestam desejo, é, sob esse aspecto, muito mais competitiva 6.

(…) Tudo acontece hoje como se o novo capitalismo tivesse entendido a lição deleuziana. De fato, é necessário que os fluxos circulem, e circularão ainda melhor se o velho sujeito freudiano, com suas neuroses e suas frustrações nas identificações que não param de se cristalizar em formas rígidas anti-produtivas, for substituído por um ser aberto a todas as conexões. Em suma, levanto a hipótese de que esse novo estado do capitalismo é o melhor produtor do sujeito “esquizoide”, o da pós-modernidade.

Uma aventura rumo à loucura

Na dessimbolização que vivemos atualmente, o que convém não é mais o sujeito crítico antecipando uma deliberação conduzida em nome do imperativo moral da liberdade, nem tampouco o sujeito neurótico tomado de uma culpabilidade compulsiva; o que se exige agora é um sujeito precário, acrítico e psicotizante, um sujeito aberto a todas as conexões comerciais e a todas as flutuações identitárias.

É evidente que, apesar disso, os indivíduos não se tornaram todos psicóticos.

(…) De modo geral, por toda parte onde há instituições ainda vivas, isto é, onde nem tudo esteja ainda completamente desregulamentado, ou seja, esvaziado de toda substância, existe resistência a essa forma dominante. Afirmar que uma nova forma sujeito está em vias de se impor na aventura humana não significa, pois, dizer que todos os indivíduos irão sucumbir facilmente a ela. Não digo, portanto, que todos os indivíduos irão enlouquecer, digo simplesmente que, afirmando essa forma sujeito ideal, fazem-se grandes esforços para que eles se tornem loucos. Em especial mergulhando-os num “mundo sem limite 7” que incentive a multiplicação de passagens à ação psicotizantes e sua instalação num estado borderline.

Como Foucault profetizara há vinte anos, o mundo tornou-se, pois, deleuziano. (…) Deleuze queria simplesmente ultrapassar o capitalismo desterritorializando mais depressa que este, mas tudo indica, hoje, que ele subestimou a fabulosa velocidade de absorção do capitalismo e sua fantástica capacidade de recuperação da crítica mais radical 8. O que coloca mais uma vez na ordem do dia o ditado segundo o qual os sonhos políticos do filósofo freqüentemente se realizam como pesadelos.

Construindo impérios de papel

A essa morte programada do sujeito crítico kantiano e do sujeito neurótico freudiano, convém acrescentar um terceiro atestado de óbito, o do sujeito marxiano. Realmente, na economia neoliberal, o trabalho não é mais a base da produção do valor. O capital não é mais essencialmente constituído pela mais-valia (Mehrwert, em Marx) originada da superprodução apropriada no processo de exploração do proletário. O capital aposta cada vez mais nas atividades de alto valor agregado (pesquisa, engenharia genética, Internet, informação, mídia…), em que a parte do trabalho assalariado pouco ou medianamente qualificado é, às vezes, extremamente pequena.

Mas, principalmente, o capital agora faz intervir fundo a gestão das finanças em movimentos especulativos de grande amplitude. A parte da economia “real”, por exemplo, diminui proporcionalmente à financeirização da economia que se desenvolveu de maneira considerável nos últimos 25 anos, a partir do desenvolvimento dos novos mecanismos financeiros e instrumentos de gestão do capitalismo (…). Aparece, desta maneira, como um epifenômeno conquistador vindo se enxertar sobre a economia real, uma economia virtual que consiste, essencialmente, em criar muito dinheiro com quase nada, vendendo muito caro o que ainda não existe, o que já não existe ou o que pura e simplesmente não existe, correndo o risco de criar impérios de papel prontos a desabar de modo brutal (cf. os escândalos Enron, WorldCom, Tyco…).

(…)

A reestruturação das mentes

Sob uma aparência bonachona e democrática, uma nova ideologia, provavelmente tão virulenta quanto as terríveis ideologias que surgiram no Ocidente no século XX, está se instalando. Na verdade, não é impossível que, após o inferno do nazismo e o terror do comunismo, uma nova catástrofe histórica se manifeste. É o caso de perguntar se não se saiu de umas para cair mais facilmente em outra. Porque o ultraliberalismo, como as duas ideologias acima citadas, quer igualmente fabricar um homem novo.

(…)

Entramos, pois, em um tempo novo: o do capitalismo total que não se interessa mais só pelos bens e por sua capitalização, que não se contenta mais com um controle social dos corpos, mas visa também, sob a aparência de liberdade, a uma profunda reestruturação das mentes. Tudo, de fato, deve agora entrar no mundo da mercadoria, todas as regiões e todas as atividades do mundo, inclusive os mecanismos de subjetivação. É por isso que, diante desse perigo absoluto, a hora é de resistência, de todas as formas de resistência que defendem a cultura – em sua diversidade – e a civilização – em suas conquistas.

(Trad.: Iraci D. Poleti)

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1 – A noção de “corpo produtivo”, enquanto corpo biológico integrado no processo de produção, já está presente em Marx, em Le Capital in OEuvres complètes, ed. Gallimard, Paris, 1965: cf. Livre premier, Le développement de la production capitaliste, IVe section: la production de la plus-value relative, XIII: Coopération.

2 – Ver, por exemplo, La guerre de pacification en Amazonie, 90’, documentário de Yves Billon, Les Films du village, 1973.

3 – Ler, de Marcel Gauchet, La démocratie contre elle-même, ed. Gallimard, Paris, 2002.

4 – Ler, de Charles Melman e Jean-Pierre Lebrun, L’homme sans gravité, Jouir à tout prix, ed. Denöel, Paris, 2002.

5 – Ler, de Emmanuel Kant, Fondements de la métaphysique des moeurs [1785], ed. Garnier-Flammarion, Paris, p.116.

6 – Ler, de Gilles Deleuze e Félix Guattari, L’anti-OEdipe, capitalisme et schizophrénie, ed. Minuit, Paris, 1972.

7 – Ler, de Jean-Pierre Lebrun, Un monde sans limite, ed. Erès, Ramonville, 1997.

8 – Cf., de Luc Boltanski e Ève Chiapello, Le Nouvel esprit du capitalisme, ed. Gallimard, Paris, 1999.

* Este texto é um trecho do livro L’art de réduire les têtes, a ser publicado no início de outubro pela editora Denoël, Paris.

 PUBLICADO NO LE MONDE DIPLOMATIQUE, outubro 2003

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LMD, abril 2005

CULTURA

O homem neoliberal: da redução das cabeças à mudança dos corpos

A suspensão atual das proibições esconde um verdadeiro projeto pós-nazista sustentado pelo capitalismo. Ao mesmo tempo em que quebra as regulamentações simbólicas, possibilita que a técnica avance sozinha até quebrar a humanidade

Dany-Robert Dufour

Em L’art de réduire les têtes1, eu havia tentado evidenciar a profunda reconfiguração das mentes realizada pelo mercado. A demonstração era relativamente simples: o mercado recusa qualquer consideração (moral, tradicional, transcendente, transcendental, cultural, ambiental…) que possa impedir a livre circulação da mercadoria no mundo. É por isso que o novo capitalismo tenta desmantelar qualquer valor simbólico unicamente em benefício do valor monetário neutro da mercadoria. Dado que não há mais nada senão um conjunto de produtos que são trocados por seu estrito valor comercial, os homens devem livrar-se de todas as sobrecargas culturais e simbólicas que, até há pouco tempo, garantiam suas trocas.

Tem-se um bom exemplo dessa dessimbolização produzida pela expansão do reino da mercadoria quando se examina o papel-moeda emitido em euro. Observa-se que estas notas perderam as efígies das grandes figuras da cultura que, de Pasteur a Pascal e de Descartes a Delacroix, indexavam, ainda ontem, as trocas monetárias sobre os valores culturais patrimoniais dos Estados-nação.

Hoje, não há nada impresso nos euros além de pontes e portas ou janelas, exaltando uma fluidez desculturada. Pede-se aos homens que se curvem ao jogo da circulação infinita da mercadoria. Pode-se dizer, portanto, que a lei do mercado é destruir todas as formas de lei que representem uma pressão sobre a mercadoria.

Ao abolir qualquer valor comum, o mercado está em via de fabricar um outro “homem novo”, privado de sua faculdade de julgar (sem outro princípio que o do lucro máximo), levado a usufruir sem desejar (a única salvação possível encontra-se na mercadoria), formado em todas as flutuações identitárias (não há mais sujeito; existem apenas subjetivações temporárias, precárias) e aberto a quaisquer conexões comerciais. Estamos, aqui, diante de um aspecto muito particular da desregulamentação neoliberal que, infelizmente, ainda não é bem compreendida, mas que já produz efeitos consideráveis em todos os domínios, particularmente sobre o psiquismo humano. Um certo número de psiquiatras e de psicanalistas está fazendo o inventário dos novos sintomas decorrentes desta desregulamentação, como a depressão, as diversas dependências, as perturbações narcisistas, a extensão da perversão etc.

Desregulamentação simbólica

Esta desregulamentação de tipo novo provoca grandes confusões nos debates atuais. Ela é acompanhada de um cheiro libertário, baseado na proclamação da autonomia de cada um e numa extensão da tolerância em todos os campos sociais (dentre os quais o dos costumes), que tende a fazer acreditar que estamos em vias de viver um intenso período de libertação. Dado que o antigo patriarcado opressivo está em desvantagem, acredita-se que uma revolução sem precedentes estaria a caminho… esquecendo-se de que foi o próprio capitalismo que comandou esta “revolução” visando a facilitar a penetração da mercadoria nos domínios onde ela ainda não reinava – o dos costumes e o da cultura.

Karl Marx não se enganava quanto a essa face “revolucionária” do capitalismo: “A burguesia”, escrevia ele, “não pode existir sem provocar, constantemente, grandes mudanças nos instrumentos de produção, portanto nas relações de produção e, portanto, no conjunto das condições sociais. De modo contrário, a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores era manter inalterado o antigo modo de produção. O que distingue a época burguesa de todas as precedentes é a incessante introdução de mudanças na produção, a desestabilização contínua de todas as instituições sociais, em resumo, a permanência da instabilidade e do movimento. Todas as relações sociais enferrujadas, com seu cortejo de idéias e de opiniões admitidas e veneradas, dissolvem-se; as que as substituem envelhecem antes mesmo de se esclerosarem. Tudo o que era sólido, bem definido, se desmancha no ar, tudo o que era sagrado se encontra profanado e, afinal, os homens são forçados a considerar com um olhar desiludido o lugar que ocupam na vida e suas relações recíprocas 2.” Esta capacidade de transformar as relações sociais atingiu o ponto máximo através desse novo estado do capitalismo que é chamado às vezes, e om razão, de “anarco-capitalismo”.

Essa transformação funcionou tão bem que houve quem tentasse reter apenas o lado “libertário”, “jovem” e “conectado” da nova forma, empolgando-se, sem grandes dificuldades, com a revolução dos costumes que ela introduzia. A confusão é tal que quem não faz outra coisa senão seguir essa desregulamentação cultural e simbólica acredita-se muitíssimo revolucionário – penso na parte da esquerda conectada que se entusiasma com todas as “causas tendência”. Ora, é exatamente o que quer dizer o anarco-capitalismo que gosta, se não da “revolução”, pelo menos de todas as formas de desregulamentação culturais e simbólicas. Todos os spots publicitários mostram isto.

Perigos potenciais

Parece que as populações pressentem os consideráveis perigos potenciais que a civilização corre diante de tal desregulamentação simbólica. Mas o Mercado pode recuperar tudo em seu proveito: muitos grupos já estão agindo, vangloriando-se e vendendo morais de péssima qualidade. Ora, seria um erro crucial deixar o debate sobre os valores para os conservadores, sejam eles antigos ou “neo”. De fato, se se abandonar esse terreno, ele será, como nos Estados Unidos, ocupado por George W. Bush, pelos tele-evangelistas e seus supostos puritanos, ou, como na Europa, pelos populismos fascistizantes. Portanto, é urgente construir uma nova reflexão sobre os valores, sobre o sentido da vida em sociedade e sobre o bem comum destinado às populações confusamente alarmadas pelos estragos morais devidos à extensão infinita do reino da mercadoria. É claro que, se esse terreno não for cercado, essas populações serão tentadas a pender para o lado dos que o ocupam de forma tão barulhenta quanto indevida.

Entretanto, restringir o debate a esses aspectos culturais seria cometer um grande engano. Porque parece que essa reconfiguração das mentes não é senão a primeira fase de um mecanismo mais amplo. Para dizê-lo em poucas palavras, a “redução de cabeças” e a dessimbolização são apenas o prelúdio de uma outra redefinição em profundidade do homem, a qual, então, atingiria não só sua mente, mas também seu corpo.

Momento decisivo

Essa dessimbolização do mundo ocorre num momento decisivo da aventura humana: é a primeira vez na história do ser vivo que uma criatura chega a ler a escrita da qual ela é a expressão. Com tal seqüência, tornou-se possível um acontecimento incrível: o instante em que a criatura vai poder voltar à criação para se refazer. O instante em que a criatura vai interferir em sua criação e pôr-se como seu próprio criador. Chega, pois, o momento inconcebível em que uma espécie vai poder intervir em seu próprio devir substituindo as leis naturais da evolução.

Tudo acontece como se a recomendação humanista lançada no Renascimento por um de seus grandes pensadores, Pic de la Mirandole, tivesse sido ouvida além de todos os limites. Pic queria introduzir, de encontro às antigas formas de dominação absoluta pelo divino, um pouco de livre arbítrio humano. Deste modo, convocava o homem a “esculpir sua própria estátua ”. O apelo foi ouvido por toda a filosofia posterior, pois esta pode ser considerada como um desenvolvimento muito longo do tema do livre arbítrio humano, da construção do cogito cartesiano ao tema da morte de Deus em Nietzsche, passando pelo ideal crítico do Iluminismo.

Ora, o homem atual está em via de ultrapassar esse ideal dado que, se estiver efetivamente em via de “esculpir sua própria estátua”, esta bem poderia ser uma estátua viva, chamada a substituir a do próprio homem. Observemos, de passagem, que isso não seria nada menos que o fim da filosofia, que seria abrangida numa tal intenção de redefinição das bases materiais da humanidade.

Sua realização suporia, de fato, a transformação irremediável de um empreendimento, incessantemente relançado desde a Antiguidade, de reforma do espírito (pela ascese, pela busca da autonomia, pela refundação do entendimento) num objetivo puramente tecnicista de modificação do corpo. Mas de que serviria ganhar um corpo novo se isto significasse perder o espírito?

Fukuyama e a “pós-humanidade”

É mais importante ainda colocar a questão à medida que existe um programa difuso de fabricação de uma “pós-humanidade”. Tal programa é dissimulado, quase não se lhe dá publicidade. Não se deve assustar os homens; principalmente, eles não podem compreender que os fazem trabalhar na abolição da humanidade – isto é, em seu próprio desaparecimento. O mundo do ser vivo foi de tal forma cercado pelo capitalismo, a fim de nele desenvolver novos espaços para a mercadoria, que algumas de suas conseqüências possíveis sobre a própria humanidade acabaram atravessando o muro do silêncio. É assim que Francis Fukuyama – o arauto do neoliberalismo, que havia proclamado, depois da queda do muro de Berlin, o início do “fim da história” com o advento generalizado das democracias neoliberais – teve que se retrair e admitir que o triunfo do mercado não era o último episódio da história humana. Um outro se seguiria: a transformação biológica da humanidade . Mas este abrir de olhos não lhe foi senão a oportunidade de cair num novo erro de avaliação.

Francis Fukuyama quer acreditar que o neoliberalismo poderá preservar-nos dessa engrenagem fatal… quando é ele que nos leva diretamente a ela! Para ele, na verdade, a democracia de mercado seria um estado perfeito se não estivesse ameaçado pelo desenvolvimento de algumas técnicas: “Uma técnica suficientemente poderosa para remodelar o que somos pode bem ter conseqüências potencialmente ruins para a democracia libera l.”

Evidentemente, é necessário convir quanto a isto: se não há mais homens, a democracia corre o risco de se esvaziar. Para evitar semelhante perigo, bastaria, segundo Fukuyama, que “os países regulassem politicamente o desenvolvimento e a utilização da técnica”. Piedosa intenção que não come pão e que lhe permite manter-se em silêncio a respeito do essencial: é o mercado que mantém o desenvolvimento infindável das tecno-ciências, as quais, não reguladas, conduzem diretamente para uma saída fora da humanidade.

Da pós modernidade à pós história

Este elo, no entanto, é claro: dado que o mercado implica o fim de qualquer forma de inibição simbólica (isto é, o fim da referência a qualquer valor transcendental ou moral em proveito unicamente do valor comercial), nada, caso se permaneça nesta lógica, poderá impedir que o homem se liberte de qualquer ideia que pretenda mantê-lo em seu lugar e que saia de sua condição ancestral tão logo tenha os meios para tal. Portanto, não é a ciência sozinha, como se diz com freqüência, e sim a ciência mais o efeito deletério do mercado sobre os valores transcendentais que estariam em condições de permitir a realização desse programa. É preciso, pois, se colocar a questão: existirá, em nossas democracias pós-modernas onde se pode dizer tudo, uma instância política para decidir se nós queremos ou não essa mutação? Nada é menos certo.

Ora, a ausência desse lugar tem um peso importante. Vê-se onde o programa de fabricação de uma pós-humanidade poderia levar: diretamente à entrada numa era de produção de indivíduos ditos superiores tendo escapado à geração. E indivíduos inferiores para as tarefas subalternas. A existência, banalizada, de organismos geneticamente modificados deveria pôr a pulga atrás da orelha: poder-se-ia, a curto prazo, empreender fabricar, por clonagem e modificação genética, novas variantes humanas. É até verossímil que experimentações estejam em curso ou possam não demorar a estar.

Quando esse dia chegar, teremos passado da pós-modernidade, período perturbado pelo desmoronamento dos ídolos, à pós-história. Se ninguém pode prever o que será isto, pode-se, entretanto, dizer o que não será mais. Porque significa o desenlace de cinco grandes topoï da humanidade: o fim da humanidade comum, o fim da fatalidade costumeira da morte, o fim da individualização, o fim do ordenamento (problemático) entre os sexos e a desorganização da sucessão de gerações.

Perigo para o animal inacabado

O perigo que ameaça a espécie humana não é só o perigo eugênico. O que está em perigo, a curto prazo, é também e simplesmente a conservação e a perpetuação da própria espécie. Esta conservação não procede de si mesma; ela passa por um contexto simbólico e cultural. Isto se explica pelo fato, reconhecido por uma parte da pesquisa paleoantropológica, de que o homem é concebível como um ser de nascimento prematuro, incapaz de atingir seu desenvolvimento germinal completo e, entretanto, capaz de se reproduzir e de transmitir suas características de juvenilidade, normalmente transitórias entre os outros animais. Fala-se a esse respeito da neotenia do homem. Ela implica que este animal, não acabado, diferentemente dos outros animais, deve acabar-se em outro lugar que não na primeira natureza, isto é, numa segunda natureza, geralmente chamada cultura.

Encontram-se muitas coisas nessa segunda natureza: deuses, relatos, gramáticas referindo-se a qualquer objeto do mundo (as estrelas, os seixos, os micróbios, a música, a narrativa, o cálculo, a subjetividade, a sociabilidade…), uma intensa atividade protética (todos os objetos que permitem a esse animal não acabado habitar o mundo), leis, princípios, valores… Ora, se esse quadro for deteriorado, se as leis e os princípios que o regem se tornarem fluidos, pode-se esperar não só efeitos individuais e sociais deletérios, mas também ameaças sobre a espécie, pois nada mais será suficientemente legítimo para se opor a manipulações visando a transformá-la assim que possível.

A domesticação do Ser

Algumas vozes já se fazem ouvir na intelligentsia para acolher a suposta boa nova e próxima mutação do homem. De modo muito especial, o filósofo alemão Peter Sloterdijk, que já se tornara famoso por haver feito no final de 1999, no além-Reno, uma conferência intitulada Règles pour le parc humain [Regras para o parque humano] , por ocasião de um seminário dedicado a Heidegger. Esta conferência suscitou uma grande controvérsia, particularmente com Jürgen Habermas. Os propósitos desse “nietzschiano de esquerda” parecem muito significativos do modo como a desregulamentação simbólica atual pode confundir as mentes.

Numa outra conferência realizada no Centro Georges Pompidou, em março de 2000, Sloterdijk retomou uma tese de Heidegger, mas para invertê-la. Não se tratava mais de dizer que a técnica era “esquecimento do Ser”, mas de proclamar que ela contribui para a “domesticação do Ser”, sendo esse o atributo maior do homem neotênico, levado a se produzir a si mesmo. Como se a técnica fosse a única conquista do homem neotênico e o contexto simbólico que faz prescrições e proibições nunca tivesse existido! Com tais premissas, todas as conseqüências possíveis da técnica são justificadas antecipadamente. Por outro lado, a deliberação moral é tão pouco levada em consideração que, nesse discurso “desinibido”, só a técnica é que pode determinar uma ética – não uma ética qualquer, mas, sim, uma “ética do homem maior” e, enquanto tal, aberta às “auto-manipulações biotecnológicas”.

A substituição do “homem primeiro”

Nesse discurso, a ética consiste, pois, em afastar qualquer forma de exame moral. É assim que o homem, puxado para fora de si mesmo pelo Ser, estaria encarregado de mudar sua condição biológica para se abrir à multiplicidade biológica. O homem, nascido insuficiente e sendo produto da técnica, não teria outra coisa a fazer senão levar a técnica a suas últimas conseqüências. Deste modo, o velho homem deveria ser rebatizado de “homem primeiro” – em que se pode ouvir um claro eufemismo de “primitivo” (como em “museu das Artes Primeiras”) –, porque este homem já é somente um primitivo diante dos homens superiores que devem vir. Não se devia provocar a alucinação da volta do Ser na sinistra farsa histórica do nazismo – não havia ali senão um lamentável equívoco de meu caro mestre, parece dizer Sloterdijk. Não, é hoje que se dá o verdadeiro êxtase: o homem superior, o verdadeiro, chega e seus aduladores já o louvam e funcionam como polícia para lhe abrir caminho.

Ora, esse caminho está cheio de “homens primeiros” – eis o problema. Para nosso profeta, o velho homem primitivo é manhoso, é constitutivamente surdo – e eu cito – com “generoso potencial” de transformação “polivalente”. Pior ainda, por seu “antigo egoísmo”, ele só prestaria para “exercer o poder sobre as matérias-primas” para “delas dispor” a fim de livrá-las das mudanças prometidas – onde se compreende que tais “matérias-primas” poderiam até ser o próprio corpo humano. Evidentemente, esse velho homem não seria senão “o homem do ressentimento”, prestes a fazer “reuniões” para arregimentar “populações desinformadas” e levá-las a “falsos debates sobre ameaças não compreendidas, sob a autoridade severa de editorialistas lascivos”… Abaixo, pois, os velhos “humanólatras” que pretendem, movidos por “uma histeria anti-tecnológica”, opor-se ao salto para o qual o Ser nos chama porque, é evidente, não há “nada de perverso” em querer “se transformar através da auto-técnica”…

Projeto pós-nazista

Esses propósitos de Sloterdijk – por seu próprio exagero – são muito úteis:  permitem compreender que a atual desinibição simbólica não é somente uma questão de libertação dos costumes e de saída mais ou menos dolorosa do patriarcado. De fato, a suspensão atual das proibições revela que perdura um verdadeiro projeto pós-nazista de sacrifício do humano. Ele é sustentado pelo anarco-capitalismo que, ao mesmo tempo em que quebra todas as regulamentações simbólicas, possibilita que a técnica avance sozinha até quebrar a humanidade.

“O discurso capitalista”, já dizia o doutor Lacan, “é algo de loucamente astucioso […], funciona perfeitamente, não pode funcionar melhor. Mas justamente funciona depressa demais, se consome. Consome-se tão bem que se esgota 10 .” Em suma, o verdadeiro problema do capitalismo é que ele funciona bem demais. Tão bem que um dia acabaria consumindo tudo: os recursos, a natureza, tudo – até e inclusive os indivíduos que o servem. Na lógica capitalista, esclarecia Lacan, “o antigo escravo foi substituído” por homens reduzidos à condição de “produtos”: “produtos […] consumíveis tanto quanto os outros 11 .” Esta observação permite compreender que é exatamente nesse sentido muito ameaçador que devem ser entendidas as expressões levianamente eufóricas que se encontram em toda a literatura neoliberal: “o material humano”, o “capital humano”, a gestão esclarecida dos “recursos humanos” e a “boa governança ligada ao desenvolvimento humano”.

O anarco-capitalismo acreditou na ideia de que o dar-se leis é cruel e só confina a uma espécie de masoquismo insuportável. E remete cinicamente os que teriam necessidade de um suplemento de alma ao puritanismo obscurantista. É preciso, portanto, lembrar que os filósofos do Iluminismo, como Jean-Jacques Rousseau e Emmanuel Kant, diziam que a liberdade consiste apenas em obedecer às leis que o homem se deu. De fato, temos necessidade de verdadeiras leis jurídicas e morais – e não desses sucedâneos moralizantes – para, enfim, fazer justiça, para salvaguardar o mundo antes que seja tarde demais, para preservar a espécie humana ameaçada por uma lógica cega. Ora, estamos em via de ab-rogar todas as leis – exceto as do mais forte – e, se continuarmos nessa funesta direção, entraremos numa crueldade bem mais intensa que a de ter que se submeter a leis. Entraremos numa crueldade desconhecida que consiste em querer modificar esse corpo humano velho de 100 mil anos. Para, a partir dele, tentar improvisar outros.

(Trad: Iraci D. Poleti)

1 – Ver, de Dany-Robert Dufour, L’art de réduire les têtes ? sur la nouvelle servitude de l’homme libéré à l’ère du capitalisme total, Denoël, Paris, 2003.

2 – Karl Marx, Manifeste communiste, trad. Lafargue, Ed. sociales, Paris, 1976, p. 35

3 – Pic de la Mirandole [1463-94], Discours sur la dignité de l’homme, citado por Jean Carpentier, Histoire de l’Europe, Points, Seuil, Paris, 1990, p 224-225

4 – Em “La fin de l’Histoire dix ans après”, Fukuyama repete seu credo: “A democracia liberal e a economia de mercado são as únicas possibilidades viáveis para nossas sociedades modernas”. Mas ele reconhece uma insuficiência quanto à sua concepção do fim da história: “A História não pode se acabar enquanto as ciências da natureza não chegarem a seu termo. E estamos à véspera de novas descobertas científicas que, por sua própria essência, suprimirão a humanidade

enquanto tal.”. Le Monde, 17 de junho de 1999.

5 – Cf. Francis Fukuyama, La Fin de l’homme: Les Conséquences de la révolution biotechnique, La Table Ronde, Paris, 2002.

6 – Ver os trabalhos do grande antropólogo norte-americano Stephen Jay Gould: Darwin et les grandes énigmes de la vie, [1977], Pygmalion, Paris, 1979, e Le pouce du Panda [1980], Grasset, Paris, 1982.

7 – Ver, de Peter Sloterdijk, Règles pour le parc humain, Mille et une nuits, Paris, 2000.

8 – Conferência retomada numa coletânea intitulada La Domestication de l’Etre, Mille et une nuits, Paris, 2000. Todas as citações que seguem foram extraídas desta obra.

9 – De fato, essa diversificação já está em curso: o semanário norte-americano Science, de 27 de julho de 2001, relatava que uma equipe norte-americana conseguiu implantar células-ovo cerebrais humanas no interior de cérebros de fetos de macaco Macaca radiata por volta da décima segunda semana de gestação, tal implantação podendo levar à criação de macacos cujos cérebros teriam sido, deste modo, mecanicamente “humanizados”.

10 – Jacques Lacan, “Conférence à l’université de Milan”, 12 de maio de 1972, texto inédito.

11 – Jacques Lacan, L’Envers de la Psychanalyse, Seuil, Paris, 1991, sessão de 17 de dezembro de 1969, p. 35.

 PUBLICADO EM LE MONDE DIPLOMATIQUE, abril 2005

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