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23
Ago15

Eu e os livros

por Hilton Besnos

TENHO UMA RELAÇÃO INTERESSANTE COM OS LIVROS. É como se eles tivessem atados por fios, em uma rede constante ligada à minha história pessoal. Termino de ler um bom romance mas é como se ele não ficasse “abandonado”, por assim dizer; antes, tenho uma necessidade de mantê-los, de alguma forma,  por perto, para (re)ler alguma passagem, fazer uma consulta e assim por diante. Adoro, por exemplo, rodapés.

Sei que é um pouco (ou muito) fóbico, mas gostaria de possuir em um arquivo pessoal todas as remissões e notas de rodapé possíveis, pelo menos para passar os olhos, ler calmamente. Tenho certeza de que seria um estímulo para que escrevesse mais do que o faço. Há um triângulo que se retroalimenta a partir do leitor: quem lê, escreve e, ao mesmo tempo, auto-interpreta. Tudo isso se sustenta de modo sutil, mas especialmente forte. Claro, nem todos os que leem habitualmente tem o hábito de escrever, mas quando não o fazem por prazer, não encontram dificuldades maiores em fazê-lo em outras circunstâncias. A leitura é, assim, um portal que nos catapulta para o mundo letrado e uma possibilidade real de descobrir novos horizontes a partir das nossa novas e constantes (re) interpretações da realidade.

De todo modo, a leitura é uma forma de interação muito particular com o desconhecido, e portanto, sua experiência é – como as próprias aprendizagens – única e personalíssima. Do mesmo modo que a aprendizagem se dá através da intermediação do e com o outro, ou seja, das nossas próprias representações do mundo e dos efeitos que tais perturbações causam a nós mesmos, a leitura intermedeia uma melhor compreensão do simbólico, pelo que, ao lermos, desenvolvemos qualitativamente nossa habilidade em nos movimentarmos dentro dos diversos níveis representativos nos quais estamos imersos.

O leitor habitual cruza a fronteira da decifração do vocábulo para uma dimensão muito mais ampla e  sutil, mais diversificada e plural do que, mentalmente e em princípio, construíra como mundo. A leitura nos insere no desenvolvimento da prática do discurso, da alteridade da fala, da intencionalidade e da habilidade de nos comunicarmos com esse mesmo outro que, ainda como intermediador, nos ensina a aprender. Ler é, portanto, fundamental na aprendizagem, pois nos insere dentro do mundo das significações e, portanto, dentro de uma perspectiva simbólica. Sejamos todos bem vindos à jornada, talvez a mais expressiva de todas! HILTON BESNOS.

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23
Ago15

.Literacy. por .krish.Tipirneni.

Em 2008.

Pois meu filhote de seis anos, por esses dias, comentou:

“-Pai, saber ler e escrever muda muita coisa.”

” -Por que?, filho, eu quis saber. “Porque quando eu não sabia ler nem escrever, eu olhava as letrinhas e pronto. Hoje, quando eu olho as letrinhas sei que são palavras, e então eu tenho que ler tudo que vejo!”, foi a resposta.

Achei interessante refletir sobre isso. Sabemos que ler é mais do que decifrar um código. Esse, o da decifração, o das hipóteses formuladas, é apenas o primeiro passo, mas até que seja conferida uma significação e se entenda o sentido pleno do que se lê há todo um processo de qualificação, de aprendizagem, que necessita de um tempo e de um processo progressivo, que sempre será mediado por terceiros e no qual há um mundo de circunstâncias que comporão o cenário para a solidificação desse conhecimento.

O encantamento de saber ler, de claramente entendermos o que se lê, abre não só um instrumental indispensável em uma sociedade letrada mas cria o hábito de prosseguirmos com o papel de leitor, que será mais ou menos aprofundado ao  longo do tempo. Se antes as letras eram apenas reconhecíveis como tal, hoje elas são frases, e com o tempo, além daquelas, mas histórias, estórias, mensagens, textos, letras de músicas, recadinhos, contas, contos, crônicas, romances, relatórios, cartas, discursos, poesia, memórias, bilhetes mais ou menos furtivos; as letras não apenas se juntarão, mas estabelecerão coerências, coesões, transmitirão vontades, visões de mundo, implicarão na nossa existência.

É bem possível que meu filhote não tenha ainda uma noção do que virá, mas, na sua idade e já alfabetizado, tem muito claro que a sua vida mudou (e com ela, a nossa!); já está mergulhado completamente em um mundo ainda desconhecido mas que irá ser um dos alicerces que configurará não só a sua história mas que será constituidor de sua identidade. A cada vez que lemos, mudamos um pouco, refletimos, nos excitamos um pouco, ficamos em paz, entramos em estado de alerta.

A experiência nos reserva o papel de filtragem. Lemos coisas boas e ruins porque queremos, mas admitir isso requer uma aquisição cultural que somente se dá através do mundo letrado, em seu sentido maior, o que inclui a arte, a ciência, a tecnologia, as trocas de informações e a própria experiência humana. Que bom mergulharmos nesse mundo, de todo uma viagem da qual, raramente queremos abrir mão. HILTON BESNOS

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23
Ago15

Original e cópia

por Hilton Besnos

O que construo, mesmo que seja sobre outra imagem ou tema, é algo novo, ou seja, a novidade é perene. Mesmo a cópia não é o original, portanto, se não o é, é outra coisa. Se eu reprografo algo, aquele é o original, e por isso foi reprografado; assim, desimportando quais sejam os meios virtuais, mecanicos ou de outra ordem que sejam utilizados, o original não se repete. Cabe aqui, talvez, a lição famosa de Heráclito, de que “Não poderias entrar duas vezes no mesmo rio”.  

O que fazemos é nos aproximarmos, o mais possível, do original, sendo impossível mais do que uma aproximação. Ser original, portanto, implica muitas vezes em termos copiadores. Na linguagem da internet, no que se refere às redes sociais e semelhantes, seguidores. As celebridades, de modo geral, tem muitos seguidores em tais redes. Ao fim e ao cabo, ilusão que procura dilatar de modo artificial nossos próprios limites.   

A quebra identitária nos torna mais próximos do objeto a ser seguido; há uma psicopatologia envolvida no processo, de tal modo que, não raro, ansiamos por compartilhar do sucesso de outrem, e nos frustramos quando nos encontramos em face de nossas próprias realidades ou, em outros termos, nos reconhecemos em nossos limites. Aqui, compartilhar é desfrutar com, em um processo de seguir junto com o outro, mesmo que não o conheçamos. Nossos desejos conformam-se à aceitação por esse outro e, nesse sentido, abandonamos parte do que somos para sermos o que o aquele é. Melhor dizendo: o que o outro representa ser.  

Uma boa parte de nossas vontades segue essa trilha tortuosa, no qual flutuam a aceitação e o abandono; a conformação e a naturalização, o virtual e o real. Oscilamos, somos pêndulos e podemos passar um largo tempo assim, se interiorizarmos esse processo, se o naturalizarmos. Necessitamos de que alguém, algo, uma entidade, uma idéia, um ideário, um Messias possa nos orientar dentro de um mundo no qual poucas referências ainda podem receber esse nome.  

As religiões sabem disso, a realpolitik sabe disso, os obscuros funcionários, os mass midia sabem disso, e também o sabem os apresentadores de programas de televisão, de rádio, os locutores sabem disso, os criadores de necessidades artificiais e, especialmente, o sempre intencional e intangível mercado, ou, em outras palavras, a mercancia que objetiva o trânsito de mercadorias e de créditos não apenas em nível real mas em instâncias psíquicas e identitárias.  

Não importa o que somos, seremos mais se naturalizarmos tais relações propostas com base em nossas carências e inações. De qualquer modo, sempre podemos escolher a cópia que faremos, e que mais nos agradará na medida em que crermos que dela necessitamos.  Nosso exercício de criatividade, contudo, não vai muito além disso. HILTON BESNOS

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23
Ago15

Miguel, para além de 2003

por Hilton Besnos

Escrito em dezembro de 2003

Por esses dias, no ônibus, meu filho Miguel, de 10 anos, me disse que não gostava da música “Adeus ano velho, feliz ano novo”, porque achava um desrespeito, uma desconsideração com o ano que se foi. Refleti sobre o tema, e realmente o Mig tem razão: é como se desprezássemos 2003, como se de repente, pela passagem do tempo tentássemos esquecer o que de bom aconteceu. Pensei mais, que as nossas histórias, as nossas conquistas, as nossas tristezas, nossos momentos de prazer, de ternura, de afeto e de carinho, toda a nossa vida se constrói no dia-a-dia, através das nossas ações e de nossos pensamentos. O Miguel tem razão, é um desrespeito conosco mesmo e com quem vivemos parte das nossas vidas. Não devemos dar adeus a 2003, mas trazê-lo junto a nós, em nossos cuidados conosco e com as pessoas as quais amamos; em 2004 reconstruamos um 2003 no que de melhor ele teve, especialmente em nossas habilidades para lidarmos com revezes e a sabedoria que cada um de nós acumulou em 2003 e anteriormente.

Muito obrigado Miguel por ter-me ensinado essa lição, e que ela possa iluminar a todos em 2004.

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23
Ago15

O único Hotel que fica sempre lotado no Ano Novo por Anna L. Fischer

 

(No caso, 2011)

Fonte: http://www.flickr.com/search/?q=ano+novo&z=e&page=2

Às vezes a passagem do ano vira clínica: iremos, finalmente, procurar o psicólogo, a psiquiatra, faremos o nosso tão temido exame de próstata, faremos uma lipoaspiração, colocaremos botox, malharemos, teremos não mais que dez por cento do nosso peso corporal transformado em gordura, começaremos um regime rigoroso e check ups serão realizados com a regularidade e com a disciplina de um monge. Às vezes a passagem do ano vira esporte, academia, e então faremos pilates, caminhadas, alongamentos, bike, ball alongamento, experimentaremos swásthya yôga, mesmo jump não está descartado. Às vezes o ano novo vira esporte coletivo, e dê-lhe futebol, volei, basquete, et caterva, ou, quem sabe, tenis, natação, alguns esportes mais individuais. De todo modo, uma coisa é definitiva: na passagem do ano pensamos em nós. Desejamos que a vida do outro seja melhor, e, assim como a passagem do tempo, pretendemos que, por algum desígnio isso se concetize. Nunca ficamos tão exotéricos, tão midiáticos quanto na passagem do ano, não importa de que ano, não importa que idade se tenha. Os desejos de final de ano são sempre individuais, com as devidas concessões às famílias de nossos queridos amigos, parentes, e assim por diante.

Poucas vezes, contudo, pensamos que um objetivo sem plano é apenas desejo. Se esquecemos disso, esquecemos mais ainda de que, como disse com enorme sabedoria minha querida e agora aposentada colega e amiga Ana O., o presente é o futuro de ontem. Sempre pensamos para o que virá, mas poucas vezes nos detemos a imaginar o hoje como o projeto de ontem. Dentro do mundo pontilhista, anárquico, consumista em que vivemos, me vem à mente que talvez um bom projeto para o ano seria nos apoiarmos em três eixos: conhecimento, ética e compartilhamento. Nossos projetos individuais poderiam, assim, ser infinitamente melhores se o outro fizesse parte dele. Se víssemos na palavra parceria um pouco mais que uma proparoxítona, já teríamos algo mais interessante para pensar e tentar organizar. Se abandonássemos um pouco, não muito, só um pouco, nossa compulsão a vaidade irrefletida, já teríamos um ponto de partida, uma referencia para melhorarmos não só o nosso mundo, como o mundo de todos. Isso requer bem mais que projetos individuais. Temos de tentar projetar nossas ações como em rede, onde há uma partilha, uma co-participação do outro, daquele mesmo outro que, inúmeras vezes ignoramos ou fingimos ignorar.

Talvez esse seja o principal projeto do ano novo: usar o nosso conhecimento, a nossa ética e o nosso sentido de compartilhamente como se fosse uma bandeira a ser empunhada. Realmente nos importarmos e nos envolvermos com algo maior do que implantar botox ou silicone ou praticar pilates. Não que isso não tenha sua relevãncia, e, afinal, ter uma consciência dentro de um mundo midiaticamente espetaculoso não é tarefa fácil. De todo modo, não vou fugir à regra: um bom ano novo, e, especialmente, um novo ano novo. Não apenas quantitativo, mas qualitativo, portanto, realmente um novo ano novo. HILTON BESNOS

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23
Ago15

Ana Paula Umeda e Atget

por Hilton Besnos

 

 

 

 

Para Ana Paula Umeda

Eugene Atget. Quem de nós, simples mortais, já ouviu falar dele? Provavelmente vimos algumas das cerca de dez mil fotos com as quais nos brindou a arte deste francês nascido em Libourne, França, no ano de 1857 e falecido em 1927. Passou vinte e cinco anos fotografando a Paris do final do século, criando uma coleção sólida e coerente. Uma obra uirbana. Quando morreu, só e abandonado, apenas um ano antes seu talendo havia sido descoberto.

Quem vê as fotos de Atget vai às raias das reminiscências, é como se estivessemos vivendo a Belle Èpoque ou como se Edith Piaff ou Carlitos fossem aparecer em algum daqueles cenários, cheios de lirismo, poesia e dramaticidade. As cidades, como os homens, se modificam, e isso podemos perceber claramente vendo e especialmente refletindo sobre a obra de Atget.

A sensibilidade da câmara não acontece sozinha, e não sei exatamente porque Atget me lembra um pouco da dramaticidade cotidiana de Buenos Aires. Há muito de tango nas suas fotos, há toda uma extensa releitura que pode ser efetivada a partir das imagens captadas pelo artista. Há, ali, um pouco da alma francesa, das suas desilusões, das suas desventuras, do seu povo pobre mesclado em uma história de dor mas de intenso orgulho. Há muito de Piaff.

A arte de fotografar as cidades, de colher seus aspectos mais intrigantes diz respeito, em meu entender, com a possibilidade não apenas de captar um documentário, mas um cenário real onde as pessoas se encontram, se desencontram, cruzam entre si sem se olharem, com o fluir da massa, com a fixação de um conceito próprio que tem a ver com a cultura da cidade.  São Paulo, por exemplo, é uma cidade? Não, é muito mais do que isso, é uma concretude que envolve uma cultura moldada por cidadãos de todo o mundo, de gente que buscou aqui o que muitos buscaram em Nova York, em Paris, em Londres. São Paulo não é uma megalópole porque é uma cidade quase ilimitada, mas pelo acolhimento à multietnia, aos costumes, às ideologias que, entrecruzadas, foram dando um rosto, um cenário, uma vocação, nichos de cidadãos, onde se mistura o absurdamente rico e o miserável, famílias que migraram do Japão, da Europa, da América Latina e que foram construindo uma arquitetura social, econômica, financeira e humana.

Uma rede fantástica criada a partir da cotidianeidade, das dificuldades, das línguas tão distantes do nosso português. A história das cidades me fascina, mas não estritamente do ponto de vista histórico e documental, mas também do ponto de vista da ficção, das irrestritas possibilidades que temos de aprender sobre e com o outro. Aprender muito mais do que a escola ensina; aprender sobre a vida.

Há um tempo atrás, recebi um comentário de Ana Paula Umeda e a partir daí, fui conhecendo sua obra fotográfica. Então resolvi escrever aqui, porque a sua arte me levou a buscar saber quem era Eugene Atget e, de repente, meu inconsciente impulsionou-me para uma Paris que só conheço de filmes, todos eles antigos mas geniais. A arte de Ana Paula Umeda me mostrou uma São Paulo que eu amo e que já trilhei; sua sensibilidade homenageia Atget, e isso fica claro nas sua fotos.

Que bom que pude conhecer, através do BLOG DO BESNOS Ana Paula e Eugene Atget. Essa a arte da aprendizagem, que nos leva a sermos mais sensíveis, mais solidários e, especialmente, de podermos compartilhar o que, pelo talento, deve ser compartilhado. HILTON BESNOS

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23
Ago15

Bauman e o enxame

por Hilton Besnos

Um dos conceitos que Bauman analisa no livro Vida para Consumo, Zahar Ed. é o de enxame. Enxames não são “equipes, não conhecem a divisão do trabalho. São … agregados de unidades dotadas de autopropulsão, unidas unicamente, … pela ‘solidariedade mecânica’, manifestada na reprodução de padrões de comportamento semelhantes e se movendo numa direção similar”. E segue: ” Os enxames, de maneira distinta dos bgrupos, não conhecem dissidentes nem rebeldes – apenas, por assim dizer, ‘desertores’, ‘incompetentes’ e ‘ovelhas desgarradas’. As unidades que se desviam do corpo principal durante o vôo apenas ‘ficaram para trás’, ‘perderam-se’ ou caíram pelo caminho'”. E finda Bauman: “Num enxame não há intercâmbio, cooperação ou complementaridade – apenas a proximidade física e a direção toscamente coordenado do movimento atual”.

Ora, se ao conceito de enxame acrescentarmos a definição de panóptico – uma central de controle e portanto de poder e de vigilância social onde o observado tem sempre seu comportamento, suas ações e/ou inações contabilizadas e registradas em um bando de dados, que debita desvalias e credita conveniências, poderemos chegar ao entendimento do que eu entendo de desconforto, no mais das vezes profissional.

Pessoalmente sempre priorizei a inteligência interpessoal – embora não seja um descurado técnico – o que é uma forma de arte. Divorciado de um comportamento gestor, embora saiba de suas imensas aplicabilidades, sobretudo práticas, busquei na maior parte das vezes alternativas humanas ao entrar em contacto com terceiros (pessoas físicas e/ou instituições), o que nem sempre devo ter feito com a eficiência ou eficácia desejadas. O direito me ensinou que tratar desiguais como iguais e iguais como desiguais é uma injustiça valorativa, não raro difícil de reparar. No entanto, também aprendi que o amesquinhar-se, o mediocrizar-se pode ser um belo mimetismo que muda ao sabor das pretensões individuais.

Enxames não toleram desgarrados como eu. É claro que isso não é explícito, mas o enxame entende conveniente, desejável que eu me submeta a determinados comportamentos que foram naturalizados em nível de gestão. É adequado, por exemplo, comparecer a um evento após ter lecionado uma tarde toda, e tendo duas horas de descanso, exatamente da maneira que saí da sala de aula, porque o único sentido é cumprir o ritual de fazer número em meio ao enxame. Fica, portanto, desagradável que eu faça diferente e que resolva ir para casa tomar um banho e dirigir-me para o evento. A diferença sutil é que, em assim agindo, eu não permito que a rainha-mãe do enxame me controle exatamente. Como vai poder saber exatamente onde estou, em que lugar fiquei, como mapear alguém fora do enxame? Como poderá, oh rainha-mãe, contabilizar tal gesto?

Ah, sim, tratou-se de um evento internacional de educação, envolvendo centenas e centenas de educadores, portanto muita gente, e, infelizmente, eu não estava abaixo das asas da rainha-mãe. Tsk tsk tsk..

Quando desenvolvemos uma interface com a realidade e não tememos o afastamento do enxame, corremos o risco de sermos, concretamente aquele ser perdido que Bauman analisou. No entanto, a reflexão é:  precisamos estar no burburinho, no bater das asas do enxame? Isso é tão fundamental? É tão importante seguirmos os rituais prescritos, sermos tão adaptáveis até chegarmos ao ponto de não nos reconhecermos? Quando Bauman brilhantemente nos mostra questões sociais de convivência humana como seus conceitos de liquidez, não estará nos impelindo a pensarmos sobre as questões identitárias, ou, falando de outro modo, de como podermos fazer para não sermos nós mesmos, mercadorias?

Diz a sapiência: não basta sermos virtuosos, temos de parecer virtuosos. Em alguma situações, como as que se tratam de ritualizar e de naturalizar conceitos, é mais que necessário parecer virtuoso. Sempre é bom portar a previsibilidade, a acomodação, o achismo, e – jamais esquecer! – dos controles sob a forma de papéis, relatórios, atas e demais cornucópia que deve estar a disposição para os momentos mais cruentos. O papel prova, a palavra não! HILTON BESNOS

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23
Ago15

O bom e o ruim

por Hilton Besnos

Eu sou daqueles que não acreditam na inexistência de boas notícias a serem divulgadas. No entanto, parece que ando, como sempre, na contramão. Sem dúvida, muito mais coisas ruins transbordam do que um mínimo de sanidade, bom senso e, por que não dizer, de humanidade. A exploração do que é pior é de tal modo constrangedor que nos coloca sempre em alerta, de modo tal que ver o Outro como um perigo iminente é totalmente plausível e, mais que isso, esperável.

Vivemos em uma época na qual o que nos dizem, e não subliminarmente, é que pessoas desconhecidas são perigosas, quase que naturalizando relações que poderiam se transformar em belezas na feiura da desconfiança mútua, da traição e da estupidez. Talvez possamos, então, nos divertir mais se ficássemos sós, comprando, comprando e comprando. Pela televisão, por exemplo (canais abertos, que são disponíveis à massa informe), devo ficar em casa, me alimento mal, tenho maus hábitos de saúde, leio pouco, e a violência deve me acompanhar vinte e quatro horas por dia. São estupros, escândalos, ameaças, corrupções, e mais todo o elenco de maldades de tal forma explicitadas e replicadas que, realmente, devo me mudar para uma ilha.

Mas mudar não tem muito sentido, de vez em quando. Talvez o belo e nobre cultivo das amizades seja uma boa alternativa. Estou tentando caminhar por aí. HILTON BESNOS

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23
Ago15

Perene e sólido: passado

por Hilton Besnos

Fumaça vermelha 1024x768 Papel de Parede Wallpaper

Não há o que seja perene, estável e sólido na atualidade. Chega a ser insólito quando alguém diz pretender algo “para o resto da vida”. Vivemos em interrupções e movimentos constantes, e no mais das vezes não nos damos conta disso, porque as rotinas nos engolem. Cada vez menos descobrimos nesgas de tempo para ler, namorar, assistirmos a um filme ou, simplesmente, refletir. Parecemos presos a um processo que nos deglute, nos elimina e nos recicla diariamente, de modo impessoal e sem um rosto definido. Não nos reconhecemos no outro e vivemos em uma situação de descarte permanente, seja dos bens que adquirimos para cunharmos identidades tão vãs quanto uma passagem de estação, seja das relações tíbias que construímos com base em interesses menores.  Nossos umbigos nos guiam, pois fomos miseravelmente induzidos à apatia do pensamento e à ação sem matutarmos, sem elaborarmos razões, sentidos e porquês. Somos lesados a partir das nossas ignorâncias, medos, tristezas e pensamos que a ausência de afeto e de presença física pode ser suprida com consumismo alienante, culpas infundadas e um sentido irracional de urgência.
Confundimos liberdade com escolhas, com conveniências. Liberdade é não precisarmos escolher em um mundo consumista, é nos sabermos conscientes de que podemos até ser excluídos por grupos de interesse, mas exercermos o direito de não optarmos pelo fácil, pelo efêmero, pela conversinha ranzinza e depreciativa que tantas vezes nos envolve, é nos alhearmos um pouco dos sentidos e dos sentimentos mesquinhos, das coisinhas medíocres do dia-a-dia. Liberdade é o não-alinhamento compulsivo, compulsório junto à massa pasteurizada com a qual temos de forçosamente conviver, seja no trabalho, seja em algum movimento político ou religioso. Mais: é perguntarmos ao outro porque ele quer saber algo, é não estarmos na conformidade, mesmo sabendo que estamos criando em nosso entorno um sentido de estranhamento. 
Somos considerados estranhos, exógenos quando não seguimos padrões estruturados e dados como normalizados; quando as nossas respostas (e especialmente as nossas perguntas) não são as esperadas e fazemos questão de afirmar por gestos, por palavras e por atitudes que somos inteligentes e dotados de emoção e em razão disso nos negarmos a seguir o caminho que antecipadamente nos traçaram, preferindo conhecer outras estradas. Somos estrangeiros dentro de uma mesma língua quando sabemos mais palavras que a média, quando perguntamos o que a média custa ou não quer responder, ou quando calamos no momento em que a maioria aplaude por mera conveniência. Somos estrangeiros dentro de um comportamento quando terceiros esperam que façamos algo e não o fazemos porque duvidamos intimamente que seja o melhor a fazer. E por fim somos estrangeiros quando nos arriscamos onde a maioria prefere o conforto. Isso não significa que somos livres, mas que refletimos onde os outros não o fazem, ou porque cansaram de pensar ou porque tem interesses menores a zelar com a proficiência de um apóstolo. 
O sólido se desmancha no ar, como disse Kundera, mas ainda encontramos por aí muitas construções barrocas e dentro delas imagens de uma época que igualmente se desvanece. O desespero que se segue é enorme, porque o sólido implica em um planejamento em longo prazo, demanda renúncias pessoais, adia os momentos aprazíveis, aguardados muitas vezes por um tempo maior do que seria possível suportar. Em seu lugar surge a insegurança, o imediato, o que não deixa rastros, o que se isola em sua individualidade. Desaparecem os guerreiros porque não há mais lutas, somem os ideólogos porque os pensamentos são vistos como algo informe e incômodo, não há mais perenidade porque o efêmero nos acorda no dia-a-dia, nos fogs dos noticiários e na indiferença blasé em relação a tudo e a todos. 
Enquanto isso o homo faber nos persegue, sitia, e emula, erguendo seu panóptico a cercar-nos, a manipular-nos, a dizer a todo o momento que as nossas possíveis inconveniências podem ser punidas, registradas, analisadas, discutidas, resumidas em um livro ata, em uma ocorrência, em uma manifestação de repúdio comandada pela ampulheta e que os nossos sentidos e sentimentos são um nada diante do que se avizinha. As capas da conveniência se abrem e talvez somente aí possamos perscrutar, mesmo que minimamente, os dentes da fera que vai nos morder. Constatamos tristemente que nossos esforços de maior socialização restaram frustrados e que, afinal, amealhamos poucos apoios em relação ao que buscávamos. O sólido se desmancha no ar e a nossa tentativa de buscarmos um pouco de historicidade se perdeu em um tempo pontilhista no qual não há links possíveis ante uma tela que se projeta infinitamente sobre si mesma. 
Somos humanos, mas, claro!, alguns são mais humanitários, solidários que outros, se importam mais, pretendem que os relacionamentos possam substituir o temperamento do aço, a psicologia do tijolo, a atenção da hulha. E aí se constata que não adianta dizer ao homo faber: “Olha, escuta, isso tudo não existe mais, você faz parte de um mundo que se esboroa, você é o passado e, deste, o pior, o incompreensivo e o opressor operador de máquina”. Mas isso não adiantará em nada, pois a burguesia da revolução francesa pensava com os mesmos parâmetros que o campesino sem capital da idade média. 
O homo faber irá se desconstituir na medida em que seus sensores o avisarem de que está em plena marcha a sua obsolescência e somente aí ele desistirá de morder, de plantar seus dentes em nossas gargantas. Talvez essa seja nossa recompensa maior e talvez a única: sabermos que temos consciência do lugar, do espaço e do tempo em que vivemos. Se nosso pensar não nos isenta, pelo menos nossa ignorância não nos embala e põe a dormir. Ser inconveniente, afinal, pode ser muito gratificante. HILTON BESNOS

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23
Ago15

Abomino quem se comporta full time com a seriedade de uma pedra; quem não tem leveza e parece carregar o mundo nas costas. Normalmente essas pessoas contaminam o ambiente, trazem-lhe pesadas nuvens. Sua postura é algo que cheira a miserabilidade, a impotência, a tristeza. São infelizes essas criaturas e perderam de há muito o contato com a beleza e com as pequenas coisas bonitas que existem.  

Abomino quem pensa que o ideal da vida é dizer aos outros o que fazer, durante o máximo de tempo possível. Abomino os administradores da vida alheia, os metidos, os inoportunos, os chatos. Tenho pena verdadeira de quem não sabe que o sol e a lua são cíclicos e que, em verdade, somos muito pequenos na face da terra. Penso sinceramente que as regras devem existir, mas não gosto de quem exige dos outros tal cumprimento.

Prefiro a lua ao sol. Prefiro a leitura à conversa descontrolada e ao falar por falar por falar por falar e, finalmente, por falar. Detesto conversas vazias, ocas, como um café mal feito e mal passado. Tenho verdadeira ojeriza a quem utiliza um poder factual para impor suas opiniões aos demais e, especialmente, para manipular esses demais.

Adoro gente ignorante quando encontra um lapso de lucidez.

Adoro a humanidade, mas não gosto de pessoas arrogantes, seja pessoal ou intelectualmente. Abomino participar de reuniões nas quais se dizem redundâncias ou em que alguém que se julga mais qualquer coisa que o outro se julga no direito de cortar a palavra alheia. Detesto situações nas quais apenas pensamos em nós mesmos, sem qualquer consideração ao grupo em que estamos.

Abomino gente que não sabe o que está dizendo e faz jogo pra platéia. Abomino democratismo. Tenho paixão por quem luta por suas convicções, mas que não se arma com um escudo e um míssil Tomahawk para submeter os outros ás suas opiniões. Amo partidas de futebol. Detesto comentários tolos, mal concebidos, comentários maldosos, jocosidades e situações  nas quais se usa subterfúgios para ferrar os outros.

Desconfio de pessoas que não tem senso de humor, que adoram seguir regras, quaisquer uma delas – e se colocam na posição de juízes. Abomino gente dura, que pensa que a flexibilidade é sinal de fraqueza. Detesto bajuladores, o que não deve ser confundido com agressividade em relação àqueles que factualmente possam deter uma fatia (mesmo ínfima) de poder.

Tenho sérias desconfianças de quem só pensa em trabalho  e não sabe o que fazer quando se aposentar, a não ser a certeza de que vai trabalhar mais ainda. Acho estranhas as pessoas que se constrangem quando se fala a respeito de sexo, ócio, prazer e em tudo que nos faz mais humanos.

Abomino pessoas que precisam de aprovação de outros para dar um mísero, um humano e um simples flato (para ser educadinho). Abomino quem diz ou demonstra saber tudo e diz o tempo todo que sabe como os outros devem se portar. Detesto quem se comporta de modo o mais conveniente possível.

Mais ou menos assim. HILTON BESNOS

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