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Neoliberalismo: interpretando algumas questões

1 – O que é o neoliberalismo?

É uma teoria na qual a economia serve de parâmetro às atividades humanas, pretendendo dar-lhe uma ética com base em uma filosofia própria. Alicerça-se no mercado que, por seu turno através de sua auto-regulação traria a justiça social nas relações humanas. Tal revelou-se distorcido em razão de que o mercado absolutamente nada tem a ver com parâmetros de justiça ou injustiça social.

2 – Em que consiste o programa de ajustes para a América Latina?

Liberdade de circulação dos capitais, bens e serviços. Os capitais são especulativos, não produtivos. Liberdade de comércio significa termos vantajosos para as transssnacionais que pertencem, em sua maioria aos Estados Unidos.

Estabelecimento de sistemas de pressão econômica contra os mercados nacionais; estabelecimento de privilégios às empresas detentoras do capital através de uma relação promíscua com o estado-nação.

Erosão das redes de segurança concernentes à face social do estado (declínio progresssivo do welfare state) e incremento aos processos de privatização. Menor peso às organizações de trabalhadores, sindicatos, etc. Transferências de capitais através das infovias.

3 – Quais são as raízes históricas do neoliberalismo?

As mesmas derivam-se de um mix de fatores políticos, culturais e conjunturais, em movimentos havidos em áreas de política macroeconômica. Os fatores arrolados são:

o Renovação da mentalidade conservadora que surgiu como um contraponto à manifestações e fatos de cunho cultural e políticos que abalaram estruturas conservadoras, especialmente nas décadas de 60 e 70 nos países desenvolvidos, mormente nos Estados Unidos. Alguns deles seriam a liberação sexual através da pílula, as mudanças de costumes, a guerra EUA – Vietnane, a ascenção das minorias discriminadas socialmente, como os negros, as mulheres, os homossexuais, lésbicas, etc. Os governos representativos do conservadorismo foram os de Reagan, nos EUA, M. Tatcher na Inglaterra e H. Köhl na Alemanha;

o O desgaste do estado de bem estar social. Os conservadores entenderam que as redes de proteção social (previdência, saúde, seguro desemprego, etc) oneravam demais os estados-nações e que tais custas serviam unicamente para manter uma máquina estatal ociosa e pesada, com uma burocracia cara e influente. Os demais cidadãos não deveriam arcar com tais ônus, com tais “prejuízos sociais” causados pelos párias da sociedade (no sentido de Bauman). Dentro do princípio capitalista os pobres eram pobres como um exercício de opção social, preferindo serem assistidos socialmente a trabalhar.

o Transformação industrial que implicou no avanço tecnológico aplicado às empresas, em que os processos de automação e robotização diminuíram a participação dos trabalhadores nos custos e nas responsabilidades sociais. A desregulamentação dos mercados cada vez mais proporcionaram o esvaziamento dos sindicatos e a deslocalização das atividades produtivas.

o Ascenção do capital especulativo: com base em facilidades técnicas e na liberação via desregulamentação do fluxo dos capital, há uma migração de dinheiro superior a dois trilhões de dólares/dia. Tal capital é meramente especulativo e não aplicado em atividades produtivas, ou seja, não há uma geração de empregos compatível com tal aplicação de capital, mas simplesmente o acúmulo de mais capital. O capital não tem qualquer preocupação com níveis de empregabilidade ou mesmo com estabilidades dos estados-nações, pois tem força suficiente para predar as economias desses países.

o Ascenção de uma nova classe dirigente, que perfaz análises de instrumentos simbólicos (especialmente nas políticas de macro-econoomia e mercados financeiros), não raras vezes contando com informações privilegiadas, tentando antecipar terrenos ou nichos de mercado onde possam as empresas obterem mais lucro real. Tais profissionais são eminentemente cosmopolitas, trabalham em rede e exercem atividades de consultoria em diversas áreas estratégicas (finanças, criação, publicidade, mídia, tecnologias diversas, engenharias de sistemas, etc). Tal classe dirigente é uma elite que fundamenta os processos de fundo da globalização.

o A queda do marxismo real que, para os conservadores significou a ruína do socialismo, maior inimigo do capitalismo.

o O domínio econômico e financeiro das multinacionais que solapam o poder dos estados-nação graças a sua concentração de capital e pela possibilidade de interferência na formatação política desses mesmos estados.

4 – Quem são e o que argumentam os ideólogos do neoliberalismo?

Friedrich Hayeck e Milton Friedman. Argumentam que o mercado é uma instituição universal que, em sua melhor forma é perfeito, no sentido de opoortunizar a todos liberdade de opções. Isso, à evidência não é uma verdade mas, de toda forma, é o que apregoam e fundamenta o pensamento neoliberal.

5 – Comente algumas conseqüências do neoliberalismo.

A dispersão do welfare state trouxe muitas conseqüências, entre as quais a incapacidade de gerenciamento de uma parcela da sociedade que, por motivos vários, deixou o mercado de trabalho. Ora, a teoria neoliberalista parte do princípio da privatização dos papéis que anteriormente eram da competência do estado-nação. Isso significou que, afastado o estado, essa parcela da população desempregada passou a gerir por conta própria sua incapacidade financeira de auto-sustentação. Em outros termos, cresceu a miserabilização de enormes estamentos sociais. Por outro lado, houve, em razão disso uma bipolaridade cruel, representada por aqueles que tem capacidade de participar de uma sociedade altamente voltada para o individualismo endêmico e o consumismo e por outra, representada por aqueles que cada vez mais vêem-se privados de condições reais para a volta à atividade produtiva, tornando-se párias em relação àqueles primeiros. E, pior de tudo, as sociedades não sabem o que fazer com os párias, a não ser criminalizá-los e cada vez mais vê-los como perigosos e estranhos.

Ser estranho significa ser diferente, e os imensos movimentos migratórios dos párias sempre são acompanhados por uma ideologia dominante que busca sua exclusão social. A questão é que não é possível uma lógica simples de coooptação dos diferentes pois eles mesmos contrapõem sua ideologia e seus modos de vida, que são fundo para o brilho dos socialmente ascendentes, dos que podem deslocalizar-se e são recebidos com as honras e glórias devidas a quem detém o capital. Ser pária e não ser uma “reserva de mão-de-obra” é uma das conseqüências do neoliberalismo., gestado dentro de desejos sempre irrealizáveis mesmo por quem detenha realmente oportunidades de acessar o mundo globalizado.

6 – Dar um parecer sobre neoliberalismo.

O neoliberalismo é uma ideologia que busca manter os mercados em permanente pulsação, em evidente busca pelo lucro, e que dá fundamento ao capitalismo. Em nossa opinião, temos de pensar o neoliberalismo em termos de práxis, no mínimo configurá-lo como uma ideologia que é justificadora. Aqui deu-se uma peculiaridade, na qual o mercado necessitava justificar-se pela produção da injustiça social que gerava. Do ponto de vista meramente voltado para a estratégia econômica de alguns em detrimento de outros (esses a maioria) justifica-se o neoliberalismo, como justifica-se qualquer outra ideologia.

A questão não é econômica, é de fundo social. A produção e o mantenimento dos quadros de miséria no mundo é uma responsabilidade que evidentemente não pode ser reportada ao neoliberalismo, porque é-lhe anterior. No entanto, a ideologia neoliberal dá sustentabilidade ao continuum dessa miséria e de seu crescimento. Isso ocorre porque não existe qualquer elemento que não seja absolutamente voltado para uma praxis que desconstitui a trajetória humana. Uma vez fixado o objetivo são traçadas estratégias no sentido de alcançá-lo. Contudo tais estratégias poderão trazer situações nas quais o deslocamento dos capitais tragam o risco de uma pobreza endêmica, o resultado de uma terra arrasada. Pois bem, a ideologia neoliberal não se preocupa nem se ocupa com isso. Em suma, ela privilegia o capital, independentemente de qualquer outra adequação às realidades sociais.

O neoliberalismo está vinculado ao neoconservadorismo, que procura trazer uma complementação ideológica importante àquele braço econômico da fusão do primeiro ao segundo, que denomina-se de globalização. Ao neoconservadorismo cabe ressaltar alguns valores que contrapõem-se a solidariedade, ao comunitário, ao interesse público. Contrariamente, àquele aderem o individualismo exacerbado, a indiferença social e o caráter privatista e privatizante, igualmente, aqui, dos espaços públicos.

Tais valores ou desvalores são observados em práticas onde radica a mercancia e a atividade expeculativa. Atualmente um dos interesses mais agudos do neoliberalismo é forjar uma instância na qual haja um convencimento de que o neoconservadorismo está correto ao expor os párias da sociedade ao mesmo tempo em que procura cada vez mais dar um caráter privatizante às necessidades humanas.

Privatizar, aqui, não significa necessariamente tão-só abstrair da esfera pública mas, especialmente desregulamentar, ou seja, criar jogos nos quais os jogadores não saibam as regras mas que sejam impelidos ao mesmo ou, ainda, que as regras do jogo sejam marcos ilusórios, modificáveis a cada nova expectativa do mercado, ou, em outras palavras às possibilidades de obtenção de lucros cada vez maiores.

O neoliberalismo é pois a ideologia que saúda a passagem da modernidade para a pós-modernidade e que se configura em um centro de referência econômica na qual a descentralização e o espetáculo do consumo são regentes supremos em face do descompromisso com qualquer instância que não seja a abstração jogada e não raro perdida pela maioria das pessoas, que vêem desfazer-se seus sonhos de vida e sua capacidade de auto-administração sustentável.

7 – Que relações podem ser estabelecidas entre o neoliberalismo e educação, tanto no sentido amplo (toda a sociedade) quanto restrito (escola/universidade)?

Uma das pontas do neoliberalismo e vertente lógica do mesmo é o neoconservadorismo. Contudo, enganam-se os que pensam que ser neoconservador é buscar trazer do fundo para o contraste todos os valores conservadores. Não, e justamente aí vem o sentido de neo, ou seja, apenas algumas dessas características são trazidas para o contraste: o egoísmo, o individualismo, o pensar em si próprio, a não identificação e o descompromisso, seja político, seja social. Outros estamentos como ética, por exemplo, não são vistos com bons olhos pelos neoconservadores, pois não condizem com uma sociedade apoiada no deus mercado.

Em conseqüência temos um apartheid social que se reproduz no campo do conhecimento. Ocorre então que a denúncia marxista no sentido de haverem dois tipos básicos de educação, um para as classes dominantes e que teria um caráter mais e uma educação mais diretiva e mais restritiva para os filhos das classes dominadas é tristemente atual. A primeira teria uma ênfase na capacidade de deslocamento e de criatividade, enquanto à segunda adeririam padrões mais voltados para a obediência e para a disciplina. Em suma, nada que Weber não tenha já explicitado em termos de pedagogia do cultivo (associada às classes socialmente hegemônicas) e especializada (associada às classes trabalhadoras e economicamente hiposuficientes).

Ora, a questão ideológica é o motor em tais colocações sociais, no sentido de mantenimento dos padrões que interessam às classes hegemônicas. Por isso alguns “sensos comuns” são sequer discutidos e perpassam por todas as classes sociais, mas são geradas sempre nas instâncias de domínio. Na verdade tais “obviedades” igualmente irrigam os sistemas escolares formais, que não dissociam tais ideologia de sua práxis. Assim sendo, são instrumentos eficazes na continuidade dos pensamento associados as classes dominantes.

Um exemplo de tais obviedades seria uma resposta padrão observada em alunos de classes populares: ao dizerem porque vem à escola, não é nada incomum dizerem que vem a escola “ser alguém”. Nesse sentido, o “ser alguém” está associado à condição de ascenção econômica e social, e não a verdadeiramente constituir-se como uma pessoa dentro de um processo social e histórico. Assim, a representação da escola muitas vezes não está devidamente percebida como um canal para o conhecimento, mas uma chave de acesso à melhores condições econômicas. Dentro de tal lógica, ser melhor, ser alguém é ter melhores condições financeiras. Esse papel de representação da escola, contudo, embora tenha sido objeto já de espancamento por muitos dos que trabalham diuturnamente em tais agências, não abandona o imaginário popular.

Por outro lado, as origens das escolas públicas realmente buscavam o conservadorismo social e a preparação para a mão-de-obra ausente de criticidade. Em outros termos, o neoliberalismo, ao ignorar as situações reais das pessoas, tem interesse em preservar em termos escolares uma nova ilusão, que é a do sujeito epistemológico puro, que pode, sim, ser comparada ao mercado puro. Da mesma forma como o mercado proporcionaria condições iguais a sujeitos iguais, e que os diferenciais na vida seriam únicamente creditados à ação ou inação das pessoas, igualmente o sujeito epistemológico é uma visão purista e mistificada, a partir da qual se elegeram duas vertentes importantíssimas na configuração das escolas formais: (a) a noção de que se há um sujeito que aprende ( e ligado à episteme, conhecimento), os outros sujeitos deverão aprender utilizando basicamente os mesmos padrões-referenciais, não distinguindo individualidades, e (b) o sujeito epistêmico ajudou sim a construir os cortes lógicos das diversas disciplinas, que o tinham como referência fulcral no procedimento do ensinar.

Quer-se com isso dizer que o pensamento neoliberal tem sim a ver com a configuração do quefazer escolar; outro ponto importante de ser abordado é a questão de que o ideário capitalista acompanha sim o estudante, bastando, para isso vermos como uma boa parte dos mesmos opera motivado pelos critérios de avaliação, modelando de certa forma seu comportamento (como sugeriu fortemente Skinner) em razão não do conhecimento, mas de tais critérios avaliativos. Estuda-se porque quer-se a nota, a aprovação. E esse comportamento é absolutamente capitalista e neoliberal: fazemos algo porque queremos que esse algo, no mínimo, oportunize lucro. Evidentemente que no caso do ensino ocorre uma inversão: a avaliação (na maior das vezes excludente e classificatória) passa a reger o comportamento do aluno, e não o conhecimento.

Há outras vertentes que podem ser exploradas, mas cremos que não devemos nos alongar mais em tais possibilidades.

30 de maio de 2004-05-30. HILTON BESNOS

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