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O Brasil da elite foi cooptado historicamente pelos portugueses, após pelos franceses e, por último pelos norte-americanos. Dentro desse cenário, buscamos construir muito mais identidade com a Europa e com a América do Norte do que com os nossos vizinhos latino-americanos. Dentro de tal quadro, as classes economica e socialmente ascendentes buscaram sempre modelos que negassem ou minimizassem a origem “Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freyre, embora ambas – casa grande e senzala – tivessem ajudado a moldar o inconciente coletivo de uma nação multi-tudo (multicultural, multisocietária, multi-étnica, multipartidária, multireligiosa). O que foi chamado de “geléia real” por Gilberto Gil continua sendo a grande diferença que nos torna mais tolerantes, mais criativos, mais adaptáveis que uma infinidade de povos.
Paralelamente, ao buscarmos modelos europeus e/ou anglosaxonicos, findamos por nos afastar de nossos vizinhos latino-americanos. Sabemos muito bem criar estereótipos acerca de nossos vizinhos de lengua hispânica, digamos assim. A consideração de que somos o único povo da América Latina a falar português, e não espanhol, é relevante. Afinal, somos mais de duzentos milhões que praticamos diuturnamente uma língua que não é a dos outros sítios do continente. Isso explica esse afastamento cultural? Creio que sim e que não. No entanto, seja qual for a discussão a respeito do assunto, nossas referências culturais são bem mais americanas e inglesas do que propriamente latinas, embora nosso comportamento esteja muito distante da Europa e dos Estados Unidos. Como padrão das classes dominantes e que possuem acesso aos meios culturais, econômicos e financeiros, preferimos inegavelmente o sorry, o enchantée, o ne me quitte pas, o envyroment e o profile ao gracias, mucho gusto, às ramblas; mais fácil encontrarmos moonlight serenade nas novelas do que algum tango ou bolero. São raríssimas as excessões, e a trilha sonora da novela A Preferida, da Rede Globo, foi uma delas.
Pois bem, seguindo essas mesmas referências, produções artísticas e culturais latinas poucas vezes obtém o espaço merecido nas nossas encantadoras e mercantilizadas midias. Deste ponto de vista, porque conhecer Fito Paez, se Beyoncée vende bem mais, porque escutar La Negra quando um rap rastaquera qualquer produzido e enlatado em USA é bem mais rentável do ponto de vista da domesticação das mentes. Claro, se Fito Paez ou se Bajofondo tivessem pedigrée americana ou inglesa, sem dúvida já teríamos tido mega-eventos (com a indefectível presença de Ivete Sangalo) televisionados para todo o país pela Rede Globo, óbvio. Se Ricardo Darín fosse americano, ele não seria a surpresa na qual se constitui sendo protagonista de Segredo dos Seus Olhos, produção argentina. Muitos mais já o conheceriam através do Filho da Noiva, de Kamchatka ou do Clube da Lua. No caso, já teria sido entrevistado pelo Programa do Jô, feito uma pontinha na novela das oito e mesmo teria conversado com a Marília Gabriela, no GNT. Exagero, without doubt no.
O Segredo dos seus olhos segue uma tradição de vários filmes latino-americanos que abordam temas por vezes bastante complicados com uma sensibilidade ímpar. Os roteiros não deliram, não existe grandes produções, menos ainda efeitos especiais espetaculares e espetaculosos. Não somente a Argentina tem grandes atores. Histórias que poderiam ocorrer conosco e que, por isso mesmo, nos colocam frente a frente às nossas instabilidades, comédias e dramas são a grande receita da cultura cinematográfica latina. Que não se busquem super-heróis, grandes armadilhas e efeitos grandiloquentes, menos ainda justiceiros; mesmo o sexo é contido, não facilmente comercializável. É preciso abandonar essa posição antilatina, essa comiseração na qual nos afundamos. Es necesario que las peliculas de latinoamerica sean miradas con ojos de verdad, de encantamento.
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