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23
Ago15

A teoria das janelas partidas

por Hilton Besnos

Há alguns anos, a Universidade de Stanford (EUA), realizou uma experiência de psicologia social. Deixou duas viaturas idênticas, da mesma marca, modelo e até cor, abandonadas na via pública. Uma no Bronx, zona pobre e conflituosa de Nova York e a outra em Palo Alto, uma zona rica e tranquila da Califórnia. Duas viaturas idênticas abandonadas, dois bairros com populações muito diferentes e uma equipe de especialistas em psicologia social estudando as condutas das pessoas em cada local.

Resultou que a viatura abandonada em Bronx começou a ser vandalizada em poucas horas. Perdeu as rodas, o motor, os espelhos, o rádio, etc. Levaram tudo o que fosse aproveitável e aquilo que não puderam levar, destruíram.Contrariamente, a viatura abandonada em Palo Alto manteve-se intacta.

Mas a experiência em questão não terminou aí. Quando a viatura abandonada em Bronx já estava desfeita e a de Palo Alto estava há uma semana impecável, os pesquisadores partiram um vidro do automóvel de Palo Alto. O resultado foi que se desencadeou o mesmo processo que o de Bronx, e o roubo, a violência e o vandalismo reduziram o veículo ao mesmo estado que o do bairro pobre. Por quê que o vidro partido na viatura abandonada num bairro supostamente seguro, é capaz de disparar todo um processo delituoso? Evidentemente, não é devido à pobreza, é algo que tem que ver com a psicologia humana e com as relações sociais.

Um vidro partido numa viatura abandonada transmite uma idéia de deterioração, de desinteresse, de despreocupação. Faz quebrar os códigos de convivência, como de ausência de lei, de normas, de regras. Induz ao “vale-tudo”. Cada novo ataque que a viatura so fre reafirma e multiplica essa idéia, até que a escalada de atos cada vez piores, se torna incontrolável, desembocando numa violência irracional.

Baseados nessa experiência, foi desenvolvida a ‘Teoria das Janelas Partidas’, que conclui que o delito é maior nas zonas onde o descuido, a sujeira, a desordem e o maltrato são maiores. Se se parte um vidro de uma janela de um edifício e ninguém o repara, muito rapidamente estarão partidos todos os demais. Se uma comunidade exibe sinais de deterioração e isto parece não importar a ninguém, então ali se gerará o delito.

Se se cometem ‘pequenas faltas’ (estacionar em lugar proibido, exceder o limite de velocidade ou passar com o sinal vermelho) e as mesmas não são sancionadas, então começam as faltas maiores e delitos cada vez mais graves.Se se permitem atitudes violentas como algo normal no desenvolvimento das crianças, o padrão de desenvolvimento será de maior violência quando estas pesso as forem adultas.

Se os parques e outros espaços públicos deteriorados são progressivamente abandonados pela maioria das pessoas, estes mesmos espaços são progressivamente ocupados pelos delinquentes.

A Teoria das Janelas Partidas foi aplicada pela primeira vez em meados da década de 80 no metrô de Nova York, o qual se havia convertido no ponto mais perigoso da cidade. Começou-se por combater as pequenas transgressões: lixo jogado no chão das estações, alcoolismo entre o público, evasões ao pagamento de passagem, pequenos roubos e desordens. Os resultados foram evidentes. Começando pelo pequeno conseguiu-se fazer do metrô um lugar seguro.

Posteriormente, em 1994, Rudolph Giuliani, prefeito de Nova York, baseado na Teoria das Janelas Partidas e na experiência do metrô, impulsionou uma política de ‘Tolerância Zero’. A estratégia consistia em criar comunidades limpas e ordenadas, não permitindo transgressões à Lei e às norm as de convivência urbana. O resultado prático foi uma enorme redução de todos os índices criminais da cidade de Nova York.

A expressão ‘Tolerância Zero’ soa a uma espécie de solução autoritária e repressiva, mas o seu conceito principal é muito mais a prevenção e promoção de condições sociais de segurança. Não se trata de linchar o delinqüente, pois aos dos abusos de autoridade da polícia deve-se também aplicar-se a tolerância zero.

Não é tolerância zero em relação à pessoa que comete o delito, mas tolerância zero em relação ao próprio delito.Trata-se de criar comunidades limpas, ordenadas, respeitosas da lei e dos códigos básicos da convivência social humana.

Essa é uma teoria interessante e pode ser comprovada em nossa vida diária, seja em nosso bairro, na rua onde vivemos.

A tolerância zero colocou Nova York na lista das cidades seguras.

Esta teoria pode também explicar o que acontece aqui no Brasil com corrupção, impunidade, amoralidade, criminalidade, vandalismo, etc.

Reflita sobre isso!

Fonte: acesse o artigo

http://www.manhattan-institute.org/pdf/_atlantic_monthly-broken_windows.pdf

  The police and neighborhood safety BROKEN WINDOWS by JAMES Q WILSON AND GEORGE L. KELLING
James Q. Wilson is Shattuck Professor of Government at Harvard and author of Thinking About Crime. George L. Kelling, formerly director of the evaluation field staff of the Police foundation, is currently a research fellow at the John F Kennedy School of Government Harvard

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23
Ago15

Violência urbana

por Hilton Besnos

140311-VitorTeixeira

Pesquisa vasculha território obscuro da internet: as comunidades que clamam por violência policial, linchamentos, mortes dos “esquerdistas” e novo golpe militar

Por Patrícia Cornils, entrevistando Fábio Malini | Imagem: Vitor Teixeira

No dia 5 de março o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo, publicou um mapa de redes de admiradores das Polícias Militares no Facebook. São páginas dedicadas a defender o uso de violência contra o que chamam de “bandidos”, “vagabundos”, “assaltantes”, fazer apologia a linchamentos e ao assassinato, defender policiais, publicar fotos de pessoas “justiçadas” ou mortas violentamente, vender equipamentos bélicos e combater os direitos humanos.

Para centenas de milhares de seguidores dessas páginas, a violência é a única mediadora das relações sociais, a paz só existe se a sociedade se armar e fizer justiça com as próprias mãos, a obediência seria o valor supremo da democracia. Dentro dessa lógica, a relação com os movimentos populares só poderia ser feita através da força policial. Qualquer ato que escape à ordem ou qualquer luta por direitos é lido como um desacato à sociedade disciplinada. Um exemplo: no sábado, dia 8 de março, a página “Faca na Caveira” publicou um texto sobre o Dia Internacional das Mulheres no qual manda as feministas “se foderem”. Em uma hora, recebeu 300 likes. Até a tarde de domingo, 1473 pessoas haviam curtido o texto.

Abaixo o professor Fábio Malini explica como fez a pesquisa e analisa o discurso compartilhado por esses internautas. “O que estamos vendo é só a cultura do medo midiático passando a ter os seus próprios veículos”, diz ele. Explore as redes neste link.

140311-Ultraconservadores

Como você chegou a esse desenho das redes? O que ele representa?

TEXTO-MEIO

É um procedimento simples em termos de pesquisa. O pesquisador cria uma fanpage no Facebook e passa a dar “like” num conjunto de fanpages ligada à propagação da violência. Em seguida, usamos uma ferramenta que identifica quais os sites que essas fanpages curtem. E, entre elas, quais estão conectadas entre si. Se há conexão entre uma página com outra, haverá uma linha. Se “Faca na Caveira” curte “Fardado e Armados˜há um laço, uma linha que as interliga. Quando fazemos isso para todas as fanpages, conseguimos identificar quais são as fanpages da violência (bolinhas, nós) mais conectadas e populares. Isso gera um grafo, que é uma representação gráfica de uma rede interativa. Quanto maior é o nó, mais seguida é a página para aquela turma. No grafo, “Polícia Unida Jamais será vencida” é a página mais seguida pela rede. Não significa que ela tem mais fãs. Significa que ela é mais relevante para essa rede da violência. Mas a ferramenta de análise me permite ver mais: quem são as páginas mais populares no Facebook, o que elas publicam, o universo vocabular dos comentários, a tipologia de imagens que circula etc.

O que você queria ver quando pesquisou esse tema? E o que achou de mais interessante?

Pesquisei durante apenas uma semana para testar o método de extração de dados. Descobri que o Labic, laboratório que coordeno, pode ajudar na construção da cultura de paz nesse país, desvelando os ditos dessas redes, que estão aí, lotadas de fãs e públicas no Facebook. Assustei-me em saber a ecologia midiática da repressão no Facebook, em função da agenda que esses sites estabelecem.

Primeiro há um horror ao pensamento de esquerda no país. Isso aparece com inúmeros textos e imagens que satirizam qualquer política de direitos humanos ou ligadas aos movimentos sociais. Essas páginas funcionam como revides à popularização de temas como a desmilitarização da Polícia Militar ou textos de valorização dos direitos humanos. Atualmente, muitas dessas páginas se articulam em função da “Marcha pela Intervenção Militar”. Um de seus maiores ídolos é o deputado Jair Bolsonaro.

Após os protestos no Brasil, a estrutura de atenção dos veículos de comunicação de massa se pulverizou, muito tráfego da televisão está escoando para a internet, o que faz a internet brasileira se tornar ainda mais “multicanal”, com a valorização de experiências como Mídia Ninja, Rio na Rua, A Nova Democracia, Outras Palavras, Revista Fórum, Anonymous, Black Blocs. São páginas muito populares. Mas não estão sozinhas. Há uma guerra em rede. E o pensamento do “bandido bom, bandido morto” hoje se conformou em votos. Esse pensamento foi capaz de construir redes sociais em torno dele.

A despolitização, a corrupção, os abusos de poder, a impunidade, estão na raiz da força alcançada por essas redes da violência e da justiça com as próprias mãos. E não tenho dúvida: essas redes, fortes, vão conseguir ampliar seu lastro eleitoral. Vão ajudar na eleição de vários políticos “linha dura”. Em parte, o crescimento dessas redes se explica também em função de forças da esquerda que passaram a criminalizar os movimentos de rua e ficaram omissas a um conjunto de violações de direitos humanos. O silêncio, nas redes, é resignação. O que estamos vendo é só a cultura do medo midiática passando a ter os seus próprios veículos de comunicação na rede.

Você escreveu que “é bom conhecer e começar a minerar todos os conteúdos que são publicadas nelas.” Por que?

Porque é preciso compreender a política dessas redes e seus temas prioritários. Instituir um debate por lá e não apenas ficar no nosso mundo. É preciso dialogar afirmando que uma sociedade justa é a que produz a paz, e não uma sociedade que só obedece ordens. Estamos numa fase de mídia em que se calar para não dar mais “ibope” é uma estratégia que não funciona. É a fala franca, o dito corajoso, que é capaz de alterar (ou pelo menos chacoalhar) o discurso repressor.

É interessante, ao coletarmos e minerarmos os dados, notar que muitas dessas páginas articulam um discurso de Ode à Repressão com um outro pensamento: o religioso, cujo Deus perdoa os justiceiros. Isso se explica porque ambos são pensamentos em que o dogma, a obediência, constituem valores amplamente difundidos. Para essas redes, a defesa moral de uma paz, de um cuidado de si, viria da capacidade de os indivíduos manterem o estado das coisas sem qualquer questionamento, qualquer desobediência.

No lugar da Política enfrentar essas redes, para torná-las minoritárias e rechaçadas, o que vemos? Governantes que passam a construir seus discursos e práticas em função dessa cultura militarizada, dando vazão a projetos que associam movimentos sociais a terrorismo. Daí há uma inversão de valores: a obediência torna-se o valor supremo de uma democracia. E a política acaba constituindo-se naquilo que vemos nas ruas: o único agente do Estado em relação com os movimentos é a polícia.

O grafo mostra as relações entre os diversos nós dessa rede. Mas e se a gente quiser saber o que essas redes conversam? As PMs estão no centro de vários debates importantes hoje: o tema da desmilitarização. A repressão às manifestações. O assassinato de jovens pobres, pretos, periféricos. Esses nós conversam sobre essas coisas? Em que termos?

Sim, esses nós se republicam. Tal como páginas ativistas se republicam, tais como páginas de esporte se republicam. Todo ente na internet está constituindo numa rede para formar uma perspectiva comum. As ferramentas para coletar essas informaçoes públicas estão muito simplificadas e na mão de todos. Na tenho dúvida que as abordagens científicas das Humanidades serão cada vez mais centrais, pois a partir de agora o campo das Humanidades lidará com milhões de dados. É uma nova natureza que estamos vendo emergir com a circulação de tantos textos, imagens, comportamentos etc.

Você escreveu que “os posts das páginas, em geral, demonstram o processo de construção da identidade policial embasada no conceito de segurança, em que a paz se alcança não mediante a justiça, mas mediante a ordem, a louvação de armamentos e a morte do outro.” Pode dar exemplos de como isso aparece? E por que isso é grave? Afinal, na visão dos defensores e admiradores da polícia, as posições que defendem dariam mais “paz” à sociedade.

Sábado, 8 de março, foi o Dia Internacional da Mulher. Uma das páginas, a Faca na Caveira, deu parabéns às mulheres guerreiras. Mas mandaram as feministas se foderem. O post teve 300 likes em menos de meia hora e na tarde de domingo tinha 1473 likes. A paz só será alcançada com ordem e obediência, dizem. No fundo, essas redes revelam-se como repressoras de qualquer subjetividade inventiva. Por isso, são homofóbicas e profundamente etnocêntricas de classes. É uma espécie de decalque do que pensa a classe média conectada no Brasil, que postula que boné de “aba reta” em shopping é coisa da bandidagem.

Em Vitória, onde resido, em dezembro de 2013, centenas de jovens que curtiam uma roda de funk nas proximidade de um shopping tiveram que entrar nesse recinto para fugir da repressão da polícia, que criminaliza essa cultura musical. Imediatamente foi um “corre-corre” no centro comercial. Os jovens foram todos colocados sentados, sem camisa, no centro da Praça de Alimentação. Em seguida, foram expulsos em fila indiana pela polícia, sob os aplausos da população. Depois, ao se investigar o fato, nenhum deles tinha qualquer indício de estar cometendo crime. Essa cultura do aplauso está na rede e é forte. É um ódio à invenção, à diferença, à multiplicidade. É por isso que a morte é o elemento subjetivo que comove essa rede. Mostrar possíveis criminosos mortos, no chão, com face, tórax ou qualquer outro parte do corpo destruída pelos tiros, é um modo de reforçar a negação da vida.

Essas redes conversam com outras redes não dedicadas especificamente à questão das PMs? Vi, por exemplo, que tem um “Dilma Rousseff Não”, um “Caos na Saúde Pública” e um “Movimento Contra Corrupção”. Que ligações as pessoas ali estabelecem entre esses temas?

Sim, são páginas que se colocam no campo da direita mais reacionária do país. Mas isso também é um índice da transmutação do conservadorismo no Brasil. Infelizmente, o controle da corrupção se tornou um fracasso. Essa condição fracassada alimenta a despolitização. E a despolitização é o combustível para essas páginas. Mas a despolitização não é apenas um processo produzidos pelos “repressores”, mas por sucessivos governos mergulhados em escândalos e que são tecidos por relações políticas absolutamente cínicas em nome de alguma governabilidade.

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23
Ago15

Post's market

por Hilton Besnos

Ao ler o facebook, tenho a impressão de que estou em um grande mercado, cada um (lojinha) postando o que lhe aprouver sem nenhum critério. Não estou criticando ninguém em específico, mas apenas constatando que é como se eu estivesse vendo televisão, com flashes curtos. O facebook é indispensável para que eu fale com pessoas que quero muito perto de mim, sem dúvida alguma, e até criamos amizades nele ou a partir dele, mas para tanto temos de percorrer a via crucis. Abraços. HILTON BESNOS

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A tecnologia evoluiu - por que continuamos trabalhando como no século passado?

18/08/2015 - 10H08/ atualizado 10H0808 / por thiago tanji

 (Foto: Revista Galileu)

Se você compartilha a ideia de que há pouca diferença entre caminhar sobre espinhos e brasa quente e acordar na segunda-feira para mais uma semana de expediente, não se sinta mal: a palavra “trabalho” tem origem no latim tripalium, nome dado a um instrumento de tortura utilizado para punir escravos desobedientes.

De lá para cá, pensadores de diferentes épocas e ideologias observavam o esforço de camponeses, artesãos e operários e davam a maior força para eles — filosoficamente, é claro. “O trabalho poupa-nos de três grandes males: tédio, vício e necessidade”, dizia o iluminista francês Voltaire. Já o alemão Karl Marx considerava que a produção material era responsável por cimentar os diferentes aspectos de uma sociedade, incluindo a própria concepção de identidade dos seres humanos. Hoje, ao mesmo tempo que a automatização de processos permitiu o aumento de produtividade, ainda convivemos com questões de décadas passadas, como longas jornadas de trabalho, insatisfação com o cotidiano das cidades e a ameaça do desemprego. Governos e empresas têm papel central nessa discussão, mas a busca por mudanças também parte das novas gerações, que desejam algo além do expediente das nove às 18 horas. 

Trabalhadores do mundo, uni-vos!

 

NA PRESSÃO

Aumenta número de brasileiros insatisfeitos 

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que 7% da população mundial — ou 400 milhões de pes­soas — sofrem de depressão. No Brasil, a doen­ça está na 13ª colocação entre as principais causas que provocam afastamento do trabalho, de acordo com dados de 2015 do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Na cidade de São Paulo, a depressão é o terceiro maior motivo que afeta a saúde do trabalhador. “Os problemas são motivados por longas jornadas de trabalho e excesso de tarefas”, diz a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente do Isma-BR (International Stress Management Association).

Em abril deste ano, o instituto, especializado no estudo e no tratamento do stress, divulgou uma pesquisa realizada com mais de mil profissionais de Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo a respeito da qualidade de vida no trabalho. Os resultados indicam que em diferentes segmentos o índice de insatisfação chega a 72% dos entrevistados. “As pessoas não conseguem dar conta das atividades exigidas pelas empresas, e isso desequilibra a vida profissional e pessoal, o que leva a má alimentação, menos tempo de sono e falta de atividades físicas”, diz Ana Maria. Para Luciana Caletti, CEO da empresa brasileira Love Mondays, plataforma on-line feita para que funcionários avaliem anonimamente suas empresas, aspectos como salário baixo e falta de reconhecimento dos chefes são algumas das principais reclamações: “Com a crise econômica, a perspectiva de trocar de emprego caiu bastante, assim como a expectativa de aumento salarial.”

 

 (Foto: Revista Galileu)


 

EXPEDIENTE PUXADO

Brasil tem uma das maiores jornadas semanais de trabalho do mundo
 (Foto: Revista Galileu)

O automóvel Ford T, produzido em 1913, revolucionou o capitalismo mundial ao introduzir linhas de montagem capazes de diminuir o tempo de fabricação dos veículos de 12 horas para apenas 90 minutos, o que possibilitou a diminuição dos preços e a massificação do produto. Hoje, fábricas como a da Hyundai, na cidade sul-coreana de Ulsan, são capazes de rolar da linha de produção novos carros a cada 12 segundos, graças à robotização de parte dos processos. Mas, se é verdade que as 16 horas diárias de expediente dos tempos da Revolução Industrial ficaram para trás, ainda gastamos boa parte de nosso dia no trabalho. “O Brasil tem uma das maiores jornadas de trabalho legais do mundo, com a possibilidade irrestrita de horas extras”, diz Cássio Calvete, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (­UFRGS) e especialista no assunto. Em 1988, com a nova Constituição, os legisladores ajustaram pela última vez a jornada de trabalho, que caiu de 48 para 44 horas semanais. “O aumento da produtividade permitiria a redução das horas trabalhadas, mas isso não acontece por conta das empresas, que desejam lucros cada vez maiores”, afirma Calvete.

 (Foto: Revista Galileu)
MAPA DA VERGONHA
Levantamento feito pela organização Walking Free Foundation indica que milhões de pessoas ainda vivem em condições semelhantes à escravidão

O QUE É ESCRAVIDÃO MODERNA: Os organizadores da pesquisa consideram que um ser humano vive em condições análogas à escravidão quando tem sua liberdade restringida por outra pessoa, com a intenção de explorá-la. Tráfico humano e exploração sexual também fazem parte desse conceito.

clique na imagem para ampliá-la (Foto: Revista Galileu)
 
NO OLHO DO FURACÃO
 
Em meio à grave crise econômica, decisões políticas afetam o futuro dos trabalhadores

Os últimos dados do IBGE indicam que 8,2 milhões de brasileiros estão desempregados. A desaceleração econômica deste ano, responsável por liquidar 240 mil postos de trabalho, motivou o governo federal a criar o Programa de Proteção ao Emprego, que propõe a redução temporária de até 30% das jornadas de trabalho de setores produtivos fragilizados, com diminuição proporcional da remuneração dos funcionários.

A medida, que espera poupar pelo menos 50 mil empregos, não é a única discussão travada entre governo, empresários e trabalhadores. Em abril, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que amplia a terceirização, permitindo às empresas subcontratar todos os seus serviços. “Isso permitirá o aumento da rotatividade de empregos, a diminuição de salários e a precarização do mercado de trabalho”, afirma o professor Cássio Calvete. O projeto, criticado pelas principais centrais sindicais do país, será votado agora no Senado. Outra questão política diz respeito à discussão da previdência social: de acordo com dados das Nações Unidas, até 2050 o Brasil terá 22,5% de idosos em sua população, o que faz o país repensar seu atual modelo de aposentadoria. “Com essa tendência, teremos cada vez mais beneficiários e menos contribuintes”, diz Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em junho, a presidente Dilma Rousseff sancionou uma medida provisória para um novo cálculo da aposentadoria, baseado na soma de idade do contribuinte com o tempo trabalhado. Inicialmente, mulheres poderão pedir a aposentadoria quando a soma chegar a 85, e homens, a 95.

 

VOCÊ É O CHEFE

Mais jovens decidem empreender, mas o caminho para o sucesso não é fácil

Reunir alguns amigos de faculdade, escrever linhas de código, criar um aplicativo ou serviço de internet inovador e faturar alguns bilhões de dólares em pouco tempo. Com a massificação da tecnologia, criar grandes negócios a partir do zero não é mais uma realidade tão distante para jovens empreendedores de diferentes partes do mundo. “Um empreendedor pensa incansavelmente em melhorar algo. Mas, se antes era necessário construir uma fábrica, hoje o aumento da capacidade produtiva permite adaptar ideias de maneira rápida e sem mobilizar muito capital”, afirma Newton Campos, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em startups, nome dado às empresas de tecnologia que propõem métodos horizontalizados e menos engessados de organização corporativa. No Brasil, cada vez mais jovens estão dispostos a deixar de seguir uma carreira formal para criar o próprio negócio: dados da Associação Brasileira de Startups registram 3.515 jovens empresas cadastradas em seu banco de dados. Mas um levantamento realizado pela escola de negócios Fundação Dom Cabral indica uma realidade difícil: 25% das startups fecham as portas antes de completar um ano de vida, e metade delas encerra suas atividades em menos de quatro anos.

 

 (Foto: Revista Galileu)
 
PARA DESAFOGAR AS CIDADES

Distribuição de postos de trabalho e mudanças de rotina ajudariam a resolver até problemas urbanos

Não é preciso ser um grande observador para perceber que as principais cidades brasileiras precisam resolver em caráter de urgência a questão da mobilidade urbana. São Paulo e Rio de Janeiro são líderes mundiais no tempo de deslocamento da residência para o trabalho — 42,8 e 42,6 minutos, respectivamente. “Os postos de trabalho estão concentrados em regiões centrais e afastados da periferia, obrigando o trabalhador a percorrer uma grande distância em um sistema de transporte que não é integrado”, afirma Vitor Mihessen, que realizou um estudo sobre mobilidade urbana e mercado de trabalho no Rio de Janeiro em pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF).

“As empresas também têm um papel fundamental nessa questão, porque já temos o aparato tecnológico para trabalhar a distância, além de mudar horários de expediente para conseguir uma fluidez melhor no trânsito”, diz. Para Giancarlo Bonansea, líder de inovação digital da consultora Accenture, as companhias devem se adaptar a essa flexibilização, sob o risco de perder jovens funcionários que não concordam com modelos rígidos de expediente. “Se é possível contratar parceiros que prestam serviços remotos a partir de outros países, por que não agir da mesma maneira com os profissionais da sua empresa?”, questiona o especialista. “Há um receio plausível sobre se o profissional estará produzindo ou não, mas o que se deve considerar é o resultado final do trabalho entregue.”

 (Foto: Revista Galileu)
 (Foto: Revista Galileu)

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23
Ago15

Eu e os livros

por Hilton Besnos

TENHO UMA RELAÇÃO INTERESSANTE COM OS LIVROS. É como se eles tivessem atados por fios, em uma rede constante ligada à minha história pessoal. Termino de ler um bom romance mas é como se ele não ficasse “abandonado”, por assim dizer; antes, tenho uma necessidade de mantê-los, de alguma forma,  por perto, para (re)ler alguma passagem, fazer uma consulta e assim por diante. Adoro, por exemplo, rodapés.

Sei que é um pouco (ou muito) fóbico, mas gostaria de possuir em um arquivo pessoal todas as remissões e notas de rodapé possíveis, pelo menos para passar os olhos, ler calmamente. Tenho certeza de que seria um estímulo para que escrevesse mais do que o faço. Há um triângulo que se retroalimenta a partir do leitor: quem lê, escreve e, ao mesmo tempo, auto-interpreta. Tudo isso se sustenta de modo sutil, mas especialmente forte. Claro, nem todos os que leem habitualmente tem o hábito de escrever, mas quando não o fazem por prazer, não encontram dificuldades maiores em fazê-lo em outras circunstâncias. A leitura é, assim, um portal que nos catapulta para o mundo letrado e uma possibilidade real de descobrir novos horizontes a partir das nossa novas e constantes (re) interpretações da realidade.

De todo modo, a leitura é uma forma de interação muito particular com o desconhecido, e portanto, sua experiência é – como as próprias aprendizagens – única e personalíssima. Do mesmo modo que a aprendizagem se dá através da intermediação do e com o outro, ou seja, das nossas próprias representações do mundo e dos efeitos que tais perturbações causam a nós mesmos, a leitura intermedeia uma melhor compreensão do simbólico, pelo que, ao lermos, desenvolvemos qualitativamente nossa habilidade em nos movimentarmos dentro dos diversos níveis representativos nos quais estamos imersos.

O leitor habitual cruza a fronteira da decifração do vocábulo para uma dimensão muito mais ampla e  sutil, mais diversificada e plural do que, mentalmente e em princípio, construíra como mundo. A leitura nos insere no desenvolvimento da prática do discurso, da alteridade da fala, da intencionalidade e da habilidade de nos comunicarmos com esse mesmo outro que, ainda como intermediador, nos ensina a aprender. Ler é, portanto, fundamental na aprendizagem, pois nos insere dentro do mundo das significações e, portanto, dentro de uma perspectiva simbólica. Sejamos todos bem vindos à jornada, talvez a mais expressiva de todas! HILTON BESNOS.

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O ALUNO NHÉ NHÉ NHÉ SÓ SOBREVIVE DENTRO de uma estrutura que o trate como coitadinho e quando o sistema é adepto da política do blá blá blá. Dentro do sistema blá blá blá, o pobrezinho do aluno é um ser em permanente risco social, a escola é um útero, professores são pais e professoras são mães que os devem proteger dos males do mundo. Toda e qualquer questão do mundo real (currículo, aprendizagem, responsabilidade, cooperação, esforço pessoal, atenção, solidariedade, etc) deve ser minimizada, até que cheguemos ao improvável. 

Um exemplo claro aconteceu por esses dias na escola, comigo e em sala de aula, no noturno, na EJA. Três alunos (?), daqueles que tem barba na cara entraram em aula, sendo que um deles entrou em sala de aula com um skate. Juro. Com um skate. Esse não fez nada durante dez minutos, a não ser mexer em seu celular. Um dos outros três, que já havia saído na aula anterior com uma grosseria inominável, tendo abandonado a aula por seu gosto, abriu o caderno mas nada fez. O que estava sentado atrás dele, para participar do grupo, igualmente adotou uma atitude debochada. 

Às tantas, perguntei porque os dois não estavam trabalhando em aula, e eles responderam “perdi o que tu disse”, “tu dita muito rápido”, “não entendi” e por aí afora. Eu estava ditando a respeito de radiciação. Todos os demais alunos estavam atentos e copiando o que eu ditava, sem nenhum problema. O terceiro aluno, o do skate, permanecia mexendo no celular, com sua mochila fechada. 

Como nenhum dos três de barba na cara estava com a mínima vontade de fazer coisa alguma, disse para um outro aluno chamar alguém da direção ou do soe – serviço de orientação educacional – para que os alunos fossem fazer nada em outro lugar, mas não na minha aula. Sobe a vice-diretora e, em princípio, após ver um dos alunos jogado para trás com o caderno escancarado, outro igualmente sem fazer nada, e o terceiro, ainda mexendo no celular, com o skate ao lado, pergunta o que estávamos fazendo. Eu explico (sempre os professores explicam, não é verdade?) e a resposta que escuto da mesma é a de que “pessoas diferentes escrevem em ritmos diferentes”. Ora, minha aula não é de alfabetização, e tais alunos escrevem muito bem. 

A questão não é se os alunos escrevem ou não escrevem bem. A questão é a atitude de deboche, de non far niente, de ausência da mínima possibilidade de contribuição para um ambiente de aprendizagem, a possibilidade de usar o professor em aula como se ele fosse um nada e a escola como se fosse um clube. Ver a direção da escola como algo que pode ser usado, manipulado, transformado em algo ridículo, tolo, inconseqüente, como se a instituição fosse algo que estivesse ali apenas para cumprir o papel que ele, aluno, determina de acordo com o seu tempo e a sua vontade. Em suma, tratar a escola como um nada ou, melhor ainda, como um lugar no qual o aluno trata a educação como algo que está ali em condição de submissão à sua vontade. O conhecimento como um nada. 

Mais: a certeza de que não haverá qualquer espécie de conseqüência mais compatível com o seu comportamento. Que o que é público, de certo modo, abençoará as suas vontades, deles, alunos, a sensação de que os professores, a escola, lhe são submissos e, por claro, o desrespeito ao profissional. É o esquema blá blá blá que acaricia, que beneficia, que acolhe o aluno que é nhé nhé nhé, relapso por opção e néscio por conveniência. 

Eles, alunos (pelo menos teoricamente alunos) sabem, de larga experiência, que tudo não passará de uma conversinha funesta, regada a possíveis fatores externos que explicarão o que eles fizeram, desde as perspectivas mais remotas às mais tolas, e que isso tudo será engulido on board

O que me deixa muito aborrecido. 

Enfim, após os rapapés necessários e as caras feias indispensáveis, saem os três heroes of marginality e eu consigo continuar, sem perturbação, a minha aula; inclusive alunos que estavam quietos começam a perguntar, se mostram interessados… No final da noite, a direção me informa que “quer conversar comigo na quinta-feira” a respeito dos três alunos. 

Sinceramente, não me interessa saber. O que me interessa é que eles venham pra minha aula a fim de estudar, e não a fim de bancar os rebeldes sem causa e receberem tratamento VIP. Só isso me interessa. 

Não tenho paciência para alunos nhé nhé nhé. Não os chamo para minha aula, não me considero responsável por eles. Converso e tenho um ótimo relacionamento com alunos que tem dificuldades para aprender, mas que tem, especialmente, uma relação honesta com a escola e comigo. Nunca me preocupei em explicar, em reesplicar, em tentar novamente, e os erros dos meus alunos não me colocam em estresse. 

Só não quero é vagabundagem pura em minha sala de aula. Muito simples, muito claro, e isso é digo (em outras palavras e através de ações) já no primeiro encontro que tenho com meus alunos. Me nego a ser pai ou mãe ou tio ou responsável por quem tem barba na cara ou já menstruou há muito tempo. Simples e direto, consigo ser respeitado por todos, porque não enrolo, não fico pedindo desculpas, não dou a cara a tapa. Não bato, mas não me coloco passivamente na posição de mártir do mundo, nem tenho qualquer vocação para ser Cristo ou Madre Teresa de Calcutá. 

Muitos não entendem a minha posição, que é de responsabilizar cada um por seus atos. Ser humano e dialógico não significa, de per si, ser tolo e leniente. Talvez por isso minhas turmas me respeitem; sabem exatamente os limites, mesmo as brincadeiras e entendem que um clima de aprendizagem não é um clima de barbárie. Prefiro que seja assim, para não ser confundido com um professor-marionete. Quero fazer a diferença e, por incrível que pareça, para isso temos que ser justos, e não, efetivamente, hordas de camelos a peregrinar pelo deserto reclamando da água que não veio. HILTON BESNOS

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23
Ago15

.Literacy. por .krish.Tipirneni.

Em 2008.

Pois meu filhote de seis anos, por esses dias, comentou:

“-Pai, saber ler e escrever muda muita coisa.”

” -Por que?, filho, eu quis saber. “Porque quando eu não sabia ler nem escrever, eu olhava as letrinhas e pronto. Hoje, quando eu olho as letrinhas sei que são palavras, e então eu tenho que ler tudo que vejo!”, foi a resposta.

Achei interessante refletir sobre isso. Sabemos que ler é mais do que decifrar um código. Esse, o da decifração, o das hipóteses formuladas, é apenas o primeiro passo, mas até que seja conferida uma significação e se entenda o sentido pleno do que se lê há todo um processo de qualificação, de aprendizagem, que necessita de um tempo e de um processo progressivo, que sempre será mediado por terceiros e no qual há um mundo de circunstâncias que comporão o cenário para a solidificação desse conhecimento.

O encantamento de saber ler, de claramente entendermos o que se lê, abre não só um instrumental indispensável em uma sociedade letrada mas cria o hábito de prosseguirmos com o papel de leitor, que será mais ou menos aprofundado ao  longo do tempo. Se antes as letras eram apenas reconhecíveis como tal, hoje elas são frases, e com o tempo, além daquelas, mas histórias, estórias, mensagens, textos, letras de músicas, recadinhos, contas, contos, crônicas, romances, relatórios, cartas, discursos, poesia, memórias, bilhetes mais ou menos furtivos; as letras não apenas se juntarão, mas estabelecerão coerências, coesões, transmitirão vontades, visões de mundo, implicarão na nossa existência.

É bem possível que meu filhote não tenha ainda uma noção do que virá, mas, na sua idade e já alfabetizado, tem muito claro que a sua vida mudou (e com ela, a nossa!); já está mergulhado completamente em um mundo ainda desconhecido mas que irá ser um dos alicerces que configurará não só a sua história mas que será constituidor de sua identidade. A cada vez que lemos, mudamos um pouco, refletimos, nos excitamos um pouco, ficamos em paz, entramos em estado de alerta.

A experiência nos reserva o papel de filtragem. Lemos coisas boas e ruins porque queremos, mas admitir isso requer uma aquisição cultural que somente se dá através do mundo letrado, em seu sentido maior, o que inclui a arte, a ciência, a tecnologia, as trocas de informações e a própria experiência humana. Que bom mergulharmos nesse mundo, de todo uma viagem da qual, raramente queremos abrir mão. HILTON BESNOS

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23
Ago15

Gavetas

por Hilton Besnos

O homem, já idoso e só, procurou, aqui e ali, as suas justificativas. Achou-as facilmente, estavam espalhadas por sua casa, por sua história. Depois ele procurou os seus amores, que estavam em multigavetas: sexo, paixão, amizade,  reconhecimento, tudo isso e muito mais poderia ser amor. No entanto ele buscou só a palavra amor. Achou e, ali, buscou seu conteúdo: havia alguns nomes, os dos irmãos, os dos amigos. Procurou mais no fundo da gaveta e achou duas fotos antigas, em preto e branco, e reconheceu ser a de seus pais. E quando menos esperava, uma foto três por quatro, já esmaecida pelo tempo, quase saltou-lhe a mão. Mostrava uma mulher bonita, de traços bem definidos e um olhar decidido, que contrastava com a boca pequena, bem feita. Ela, a foto, estava lá, mas ele não a identificou. Estava muito cansado. Viu as fotos dos filhos, e pensou – ingratos! – fechando a gaveta de vez.

E lá ficou a foto do seu amor, no fundo da gaveta, sem que ele, das dezenas de vezes que teve oportunidade em sua vida –  a reconhecesse. HILTON BESNOS

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23
Ago15

Nano-bolha

por Hilton Besnos

 

Às vezes, quando parece que o mundo todo fala, grita, berra, comenta, discute, eu clico a tecla mode. Isso ocorre no auge da confusão e, a partir daí tudo e todos ficam mudos, imóveis, e eu tenho a maravilhosa sensação de ser um deus. O tempo, contudo, continua fluindo, mas de uma forma imperceptivelmente mais lenta, de maneira que quando cessa o efeito da tecla mode, poucos são os que notam micro-diferenças no relógio e – claro – não dão a mínima importância ao fato.

Mode é tão poderoso que para tudo ao meu redor; então as dimensões tempo-espaço abrem uma nano-bolha virtual, onde me abrigo de todo o ruído, som e palavrório explodindo ao meu redor. Então eu descanso e me integro ao universo. Cada vez que eu clico o botão mágico, a minha vida diminui exatamente o tempo de duração da bolha. 

Talvez por isso, por ser uma pessoa desmedida e por não saber controlar minhas ansiedades, eu esteja já tão envelhecido, e minha pele tenha se carcomido tão rapidamente. Tenho tempo para as minhas memórias, e normalmente uso a nano-bolha para escrevê-las, de modo tão lírico que talvez  algum descendente se dê ao trabalho de lê-las, entendendo um pouco mais o que sou (ou o que fui, quando lerem).

De todo modo, aqueles momentos maravilhosos me pertenceriam para sempre, me acolheriam. E quando enfim eu encontrasse meu descanso, talvez eterno, talvez não, eu estaria feliz. Poucos são tão bem afortunados, tão agraciados por Deus. Fui ungido, fui escolhido para conhecer a nano-bolha. Eventualmente, quando ao seu abrigo, até neste blog eu escrevo. HILTONBESNOS

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23
Ago15

Original e cópia

por Hilton Besnos

O que construo, mesmo que seja sobre outra imagem ou tema, é algo novo, ou seja, a novidade é perene. Mesmo a cópia não é o original, portanto, se não o é, é outra coisa. Se eu reprografo algo, aquele é o original, e por isso foi reprografado; assim, desimportando quais sejam os meios virtuais, mecanicos ou de outra ordem que sejam utilizados, o original não se repete. Cabe aqui, talvez, a lição famosa de Heráclito, de que “Não poderias entrar duas vezes no mesmo rio”.  

O que fazemos é nos aproximarmos, o mais possível, do original, sendo impossível mais do que uma aproximação. Ser original, portanto, implica muitas vezes em termos copiadores. Na linguagem da internet, no que se refere às redes sociais e semelhantes, seguidores. As celebridades, de modo geral, tem muitos seguidores em tais redes. Ao fim e ao cabo, ilusão que procura dilatar de modo artificial nossos próprios limites.   

A quebra identitária nos torna mais próximos do objeto a ser seguido; há uma psicopatologia envolvida no processo, de tal modo que, não raro, ansiamos por compartilhar do sucesso de outrem, e nos frustramos quando nos encontramos em face de nossas próprias realidades ou, em outros termos, nos reconhecemos em nossos limites. Aqui, compartilhar é desfrutar com, em um processo de seguir junto com o outro, mesmo que não o conheçamos. Nossos desejos conformam-se à aceitação por esse outro e, nesse sentido, abandonamos parte do que somos para sermos o que o aquele é. Melhor dizendo: o que o outro representa ser.  

Uma boa parte de nossas vontades segue essa trilha tortuosa, no qual flutuam a aceitação e o abandono; a conformação e a naturalização, o virtual e o real. Oscilamos, somos pêndulos e podemos passar um largo tempo assim, se interiorizarmos esse processo, se o naturalizarmos. Necessitamos de que alguém, algo, uma entidade, uma idéia, um ideário, um Messias possa nos orientar dentro de um mundo no qual poucas referências ainda podem receber esse nome.  

As religiões sabem disso, a realpolitik sabe disso, os obscuros funcionários, os mass midia sabem disso, e também o sabem os apresentadores de programas de televisão, de rádio, os locutores sabem disso, os criadores de necessidades artificiais e, especialmente, o sempre intencional e intangível mercado, ou, em outras palavras, a mercancia que objetiva o trânsito de mercadorias e de créditos não apenas em nível real mas em instâncias psíquicas e identitárias.  

Não importa o que somos, seremos mais se naturalizarmos tais relações propostas com base em nossas carências e inações. De qualquer modo, sempre podemos escolher a cópia que faremos, e que mais nos agradará na medida em que crermos que dela necessitamos.  Nosso exercício de criatividade, contudo, não vai muito além disso. HILTON BESNOS

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